Uma injustiça tributária

Autor(es): Roberto Goldstajn
Valor Econômico - 19/12/2013

O cenário fiscal brasileiro tem exigido muito esforço das empresas para uma gestão tributária eficiente e sem grandes sustos decorrentes das pesadas sanções impostas pelo não atendimento de exigências.

Em determinadas situações as sanções correspondem a valores superiores ao da própria exigência fiscal, sendo a mais recente novidade nesse campo a que veio à tona por meio da Medida Provisória nº 627 que fixou pesadas multas incidentes sobre a receita bruta das empresas por conta de ausência e/ou atraso de entrega de documentos fiscais obrigatórios no formato digital, bem como expressivo percentual fixado sobre valores omitidos, inexatos ou incorretos.

Resta evidente que essa nova modalidade punitiva impõe estressebn adicional à já conturbada e desafiante rotina do gestor tributário.

O Estado não pode confiscar valores dos contribuintes quando isto comprometer sua sobrevivência de forma digna

Somada a essa nova realidade, a área tributária tem envidado esforços para inibir o risco da aplicação de escorchantes multas, incidentes sobre o valor das operações mercantis exigida pelos Fiscos estaduais em caso de supostas falhas no preenchimento de livros fiscais e registros magnéticos, multas essas cujo percentual pode chegar a até 100%, conforme legislação específica, tal como se dá no Estado de São Paulo.

Também vale destacar as multas aduaneiras que, da mesma forma, utilizam como base para a sua fixação o montante total da operação mencionado nas “invoices”.

Essas penalidades são plenamente ofensivas ao direito dos contribuintes por ferirem preceitos constitucionais, tais como, os que vedam a sua utilização com efeito confiscatório.

Se não bastasse o acima exposto, as multas estipuladas pelas legislações fiscais violam flagrantemente os seguintes princípios constitucionais: o que tutela o direito a propriedade (artigo 5º, caput, CF); o que veda o enriquecimento sem causa; o que garante a razoabilidade (artigo 5º, §2º, CF); o que ampara a moralidade administrativa (artigo 37, caput, CF); e o livre exercício da atividade econômica (artigo 170).

Destarte, a sanção pecuniária sempre deve corresponder à obrigação principal visando coibir qualquer conduta ilícita, ou seja, não há permissão constitucional para instituir sanção que ultrapasse este limiar como ocorre nas hipóteses aqui ventiladas.

Nesses casos, o Fisco não pode dispor de um “cheque em branco” para aplicar sanções sobre operação mercantil sob pena de descaracterizar o seu objetivo. E qual o seu real objetivo?

Desestimular a prática de atos contrários aos mandamentos legais e não enriquecer às custas dos exercentes de atividades econômicas, desejáveis e importantes para a sociedade ao criarem bem-estar, gerarem riquezas.

Ora, o Estado não pode confiscar valores dos contribuintes quando isto comprometa sua sobrevivência de forma digna, com a subtração de recursos para garantir a manutenção de suas necessidades vitais, tais como, educação, habitação e saúde.

Nesse enleio, vale destacar trecho da decisão proferida, recentemente, pelo ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Celso de Melo, no qual importantes precedentes jurisprudenciais – que condenam o “poder de destruir” do Fisco – foram citados, em especial, aquele de lavra do ilustre jurista Bilac Pinto: “Os Limites do Poder Fiscal do Estado” (RF 82/547-562, 552) – essa extraordinária prerrogativa estatal traduz, em essência, um poder que somente pode ser exercido dentro dos limites que o tornem compatível com a liberdade de trabalho, de comércio e de indústria e com o direito de propriedade” (RE nº 754.544)

Nunca é demais relembrar que juristas, encabeçados pelo ilustre filósofo italiano Norberto Bobbio, têm se esforçado para introduzir conceitos como forma de viabilizar as novas funções do Estado na sociedade, quais sejam: papel assistencialista, regulador e empresarial, o que certamente não ocorre no caso das multas ora discutidas.

Da mesma forma, pode-se argumentar que o poder público não pode criar tributos com efeito confiscatório, como aconteceu, recentemente, no município de São Paulo, com o aumento do IPTU decorrente da suposta valorização imobiliária. Essa valorização, se mantida ao longo do tempo, só será concretizada na hipótese de ser o imóvel alienado.

Ao que tudo indica outras surpresas advirão do atual cenário econômico e político brasileiro dentro da seara tributária.

Pergunta-se: qual o retorno para tanto esforço?

Roberto Goldstajn é sócio do Fernandes, Figueiredo Advogados