Gatilho nos EUA e um Brasil singular pedem sangue frio

08/11/2013 às 08h43 1 | Postado por: Angela Bittencourt Seção: Banco Central, Câmbio, Crise financeira, Eleição, FED, Inflação, Juro, Mercado de capitais

Os investidores em Brasil têm hoje um tempo curto para rever posições e evitar perdas especialmente nos mercados de juro e câmbio. Assegurar um bom retorno pode ficar difícil. E isso nada tem a ver com a inflação. O risco imposto aqui é de um ativo frente a outros e sob uma interferência quase alienígena – os dados do mercado de trabalho americano. O mundo financeiro tende a atribuir a essas informações um poder extremo: sancionar expectativas de que a economia dos EUA passa ou não por uma recuperação consistente, após ter desmoronado com a crise de 2008 sem mais ter se erguido.

Às 11h30, de Brasília, o Departamento do Trabalho dos EUA divulgará a taxa de desemprego e a criação de vagas em outubro. Analistas projetam desemprego entre 7,3% e 7,4%. As expectativas para a criação de novos postos de trabalho vão de 115 mil a 120 mil. Em setembro foram criados 148 mil. Resultados mais fracos serão interpretados como indicação de economia ainda frágil e despreparada para se livrar, ainda que aos poucos, da injeção mensal de US$ 85 bilhões para azeitar as engrenagens e pedalar. Dados mais fortes poderão acionar o abre alas do Federal Reserve (Fed, o BC americano) para a redução dos estímulos monetários. Fique esperto.

O Brasil, neste momento, não segue necessariamente a mesma direção do mercado internacional ou das economias emergentes. Nós ganhamos uma identidade singular. De um país em meio a um precoce e apaixonado processo eleitoral pautado por uma míope discussão a respeito de qual “passado” rendeu mais benefícios aos brasileiros.

Ontem, espectador de uma Europa fraquinha a ponto de comover e incentivar o Banco Central Europeu (BCE) a cortar o juro básico pela metade, para 0,25% ao ano, o mercado americano se travestiu de perdedor. Descartou a queda de estímulos no curto prazo, abateu as ações e as taxas de juros, numa reação típica de quem supõe continuar nadando na dinheirama. No Brasil foi um Deus nos acuda.

O dólar e o juro dispararam em todas as modalidades de negociação. Péssimo sinal, esses dois ativos, que também correspondem a dois preços fundamentais da economia, não reagiam objetivamente a novas informações que pudessem alterar o cenário dado ou as expectativas.

Uma versão simplista do cenário dado, comporta o governo Dilma Rousseff fazendo um esforço para manter a inflação na trajetória de queda e recuperar a confiança dos agentes econômicos na execução de metas fiscais. Os resultados serão excepcionais? Possivelmente não. A inflação não será de 4,5%, mas ficará abaixo da variação alcançada em 2012. E será feita economia para pagar juros da dívida.

As expectativas não mudaram ontem ou há dois dias, justificando piruetas de juro e câmbio. As expectativas são bem conhecidas. Descrente, a maior parte do mercado financeiro não vê o governo executando a política fiscal devida e prometida. Para parte do mercado financeiro, a inflação ainda inspira encrenca. Mesmo em declínio em doze meses, o indicador, em aceleração mensal, acusa variações que poderão engordar até disparar o índice no ano seguinte.

Aliviando em nada a carga pesada, há quem dê como certo o rebaixamento da nota do Brasil por uma das agências de classificação de risco de crédito. E, aí sim, estaríamos num pesadelo de vários atos considerados definitivos:

Ato I – se o BC americano reduzir e parar de colocar dinheiro na sua economia, os juros vão explodir no mercado internacional.

Ato II – todo dinheiro do mundo irá correndo para os EUA, que mesmo quando está mal parece melhor que todo mundo.

Ato III – o Brasil, na penúria, não terá como financiar o déficit em conta corrente. E esse déficit que já é crescente há um tempo vai se somar ao déficit das contas públicas.

Estaremos, então, às portas do inferno. Exagero? Claro!

Essa combinação de fatos, intenções, expectativas e até torcida –somada à demanda por divisas para remessa de capital ao exterior—ajudou o dólar a ultrapassar R$ 2,30 ontem. E também empurrou os juros futuros a patamares próximos ou superiores aos vistos em meados de agosto de 2011, mês em que o Comitê de Política Monetária do BC (Copom) optou pelo clássico cavalo de pau e, da noite para dia, inverteu de alta para queda a trajetória do ciclo monetário.

Portanto, fique atento porque indicadores e ativos replicam agora um comportamento observado em momentos de grandes mudanças econômicas ou financeiras no cenário internacional ou local. Elas estão acontecendo e em que dimensão? A eleição presidencial no Brasil é um fato. Mas agendado para daqui a quase doze meses. Você já escolheu seu candidato? Os partidos, formalmente, ainda não. A presidente Dilma Rousseff tem um ano de mandato pela frente? Você acredita que o Brasil se tornou uma sólida democracia com maturidade para honrar os mandatos dos presidentes. Responda as perguntas, faça as contas e, só depois, as apostas. Bom dia.

Fonte: Valor Econômico - 08/11/2013