Câmbio flutuante e o fim dos impulsos monetário e fiscal

VALOR ECONÔMICO
Marcelo Kfoury

27/01/2010

Recuperada da crise, a economia corre o risco de superaquecer no próximo ano
 
O ajuste automático do câmbio será ao longo de 2010 por causa das eleições e da diminuição da liquidez americana.
 
A grave crise global do fim de 2008 foi mais um teste de estresse para a política macroeconômica brasileira e novamente o resultado foi um sucesso, garantindo ao Brasil papel de destaque perante outras economias no processo de recuperação da atividade econômica.

As políticas de responsabilidade do Banco Central (BC), monetária e cambial, foram executadas de maneira sensata e correta, ajudando o país a ser um dos primeiros a sair da recessão e voltar a crescer expressivamente já no segundo trimestre de 2009. A política fiscal executada também desempenhou papel importante no momento mais agudo da crise, embora a percepção atual entre os economistas seja a de que não há espaço adicional para mais impulso fiscal.

O regime de câmbio flutuante é comumente apreciado durante períodos de baixa volatilidade cambial. Movimentos bruscos e/ou prolongados em uma única direção, porém, levam a um recrudescimento das críticas que normalmente estão associadas a lobbies de setores que se dizem prejudicados pelo "novo" patamar da taxa de câmbio. No último trimestre de 2008, o expressivo aumento da aversão ao risco global juntamente com o declínio dos preços das commodities produziram uma sobredepreciação ("overshooting") da taxa de câmbio.

Somando-se a isso as posições no mercado de derivativos de diversas empresas, o pânico no mercado cambial só pôde ser debelado graças à ação imediata e pertinente do Banco Central, que utilizou parte das reservas internacionais para elevar a liquidez evitando, dessa forma, distorções de preço. Em paralelo, a depreciação da taxa de câmbio permitiu um ajustamento da conta corrente (de US$ 28 bilhões em 2008 atingindo um mínimo de US$ 17 bilhões em setembro de 2009), graças ao regime de câmbio flutuante e também à contração da demanda doméstica no primeiro trimestre de 2009. Tal ajustamento permitiu a rápida absorção dos efeitos da crise, levando ao consequente fortalecimento do real.

Nos últimos meses, a forte entrada de capital para a bolsa de valores e o enfraquecimento do dólar a nível mundial fez com que o real testasse novos valores mínimos em relação à moeda americana em termos reais em novembro do ano passado. A natureza da entrada do capital mudou; ao invés de comprar títulos do governo e derivativos a eles lastreados, o capital estrangeiro está sendo direcionado para a bolsa de valores devido à perspectiva mais favorável de crescimento da economia brasileira em relação à mundial. Diante desse cenário, o déficit da conta corrente dobrará em 2010 em relação a 2009 (de US$ 25 bilhões de déficit para US$ 50 bilhões). Dessa forma, o ajuste automático do câmbio flutuante, que ainda não está ocorrendo por causa da forte entrada de capitais, ocorrerá ao longo de 2010 devido à proximidade das eleições, à diminuição da liquidez nos Estados Unidos, além da piora dos fundamentos externos (déficit na conta corrente) da economia brasileira.

No tocante às políticas fiscal e monetária, a questão é como diminuir os atuais impulsos para o crescimento, uma vez que a economia já se encontra quase que plenamente recuperada, correndo o risco de superaquecer no próximo ano. Prevemos uma taxa de crescimento do PIB de 5,9% em 2010, bem acima dos 4,5% estimados para o crescimento do produto potencial.

O superávit primário, que em setembro de 2008 era de 4% do PIB, atingiu cerca de 1% do PIB em outubro de 2009. Tal queda pode ser plenamente justificada pela contração da arrecadação devido aos efeitos da atividade econômica, mas também pelas isenções fiscais nos setores automobilístico e de eletrodomésticos. Contribuiu também para a queda do superávit primário o aumento dos gastos públicos para suavizar a recessão na virada do ano. Porém, não há evidências que o superávit primário voltará a subir ao nível pré-crise em 2010, mesmo diante de um cenário de crescimento acelerado. O Banco Central está usando uma meta de superávit primário de 2,5% do PIB considerando as deduções do Projeto Piloto de Investimentos (PPI) e os recursos fiscais do fundo soberano no seu cenário de inflação. Nesse sentido, todo o esforço de ajuste para um crescimento não inflacionário ficará a cargo do Banco Central.

Mesmo sendo ano de eleição, acreditamos que o Banco Central não se ausentará em executar a política monetária da mesma maneira autônoma e responsável como vem fazendo durante toda a vigência do regime de metas para a inflação. Na nossa opinião, o voto dos eleitores brasileiros é mais negativamente afetado pela elevação da inflação do que pelo aumento das taxas de juros. Segundo as nossas estimativas, em 2010, se o Banco Central não aumentar a taxa de juros, a inflação atingirá patamar acima de 5% significando perda de credibilidade da autoridade monetária e elevações ainda maiores das taxas de juros em 2011 para que a inflação retorne à trajetória das metas.

Ainda segundo o nosso modelo, seria necessário um aumento de 3,5% na taxa Selic, começando em março de 2010 até setembro de 2010, para garantir que a inflação se situe em torno da meta em 2010 e 2011. Se houvesse coordenação com a política fiscal, tal aumento de juros poderia ser menor, mas infelizmente esse não é o cenário com o qual estamos trabalhando.

Marcelo Kfoury é economista-chefe do Citi Brasil.

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