Empresas vão à Justiça para acelerar liberação de licenças pela Anvisa

VALOR ECONÔMICO
Laura Ignacio, de São Paulo
16/12/2009

Administrativo: Órgão demora dez meses para autorizar comercialização de produtos médicos.

Fabricantes de produtos e equipamentos médico-hospitalares - que vão desde luvas cirúrgicas a sistemas de diagnóstico da mais alta tecnologia - têm recorrido à Justiça e obtido liminares para acelerar a análise de pedidos de licença para a comercialização desses itens pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O órgão demora, em média, dez meses para expedir uma licença. A legislação, no entanto, estabelece um prazo de 90 dias para a análise do pedido. A Justiça tem entendido que a demora deixa as empresas brasileiras em situação desfavorável em relação aos concorrentes estrangeiros. Mas, com as liminares, elas acabam furando a fila dos pedidos de registro, o que prejudica as empresas nacionais que não recorrem ao Judiciário.

A Anvisa argumenta que não tem pessoal suficiente para analisar o crescente número de pedidos de registro. Em 2005, foram registradas 9.537 solicitações. Em 2009, foram 15.266. O órgão é uma autarquia criada em 1999, vinculada ao Ministério da Saúde. Sua função é controlar a produção e comercialização de produtos e serviços que possam causar risco à saúde da população - como alimentos, medicamentos e aparelhos de diagnóstico. Nas análises, são investigados também os ambientes, processos, insumos e tecnologias relacionados a esses produtos e serviços. A Anvisa expede licenças para industrialização, armazenagem, comercialização ou distribuição de mercadorias.

Uma das empresas que obteve licenças a partir de liminares é a filial da francesa BioMérieux. No Brasil desde 1976, a companhia conseguiu em dezembro a análise de pedidos feitos em fevereiro. Segundo Patrice Ancillon, diretor geral da empresa, o processo é resolvido bem mais rapidamente na França. Mas o executivo esclarece que preferia não ter que ir ao Judiciário para resolver a questão. "Não é bom pressionarmos a Anvisa, que é uma parceira", diz. Ele afirma que, além disso, as ações são um custo a mais para a empresa. O que motivou a companhia a ajuizar mandados de segurança contra a agência, de acordo com Ancillon, foi outra pressão: a do mercado. "Se uma empresa tem um produto novo, tem que lançar o quanto antes ou perde em competitividade."

Uma empresa sem registro fica impedida de comercializar. O registro para produtos de saúde, por exemplo, vale por cinco anos, mas é preciso renovar. E, na renovação, o problema da demora se repete, segundo o advogado Evaristo Araujo, do escritório Gandelman Advogados Associados e diretor da Associação Brasileira de Empresas Certificadas (ABECbpf). Além disso, investimentos como o lançamento de produtos na Feira Médica Anual de Dusseldorf , na Alemanha - a maior de produtos hospitalares do mundo - são perdidos. "Um cliente recebeu pedidos de compra de mercadorias que expôs na feira, mas, sem a licença, seu estoque ficou parado", conta.

Nesse contexto, produtos importados acabam conquistando o mercado brasileiro. Araújo explica que há escritórios que fazem uma série de registros de produtos para empresas estrangeiras, logo após o lançamento no exterior. "Se não existe produto similar no Brasil, essas empresas usam essas licenças para exportar para o Brasil", diz.

A situação piorou este ano, segundo Araújo, que conseguiu várias liminares a favor de empresas do setor de saúde. Por meio da mais recente decisão, depois de uma espera de sete meses, em uma semana foram publicados quatro registros para uma mesma companhia. A liminar foi concedida pela juíza Daniele Maranhão Costa, da 5ª Vara da Justiça Federal do Distrito Federal, que determinou a análise e conclusão sobre os pedidos dos registros em até dez dias. "Minha recomendação é não ter medo de retaliação por parte da Anvisa e ajuizar ação judicial", afirma o advogado. A discussão ainda não chegou nos tribunais superiores, mas a ação judicial também vem sendo usada na obtenção da Certificação de Boas Práticas de Fabricação, cujo prazo para expedição pela Anvisa também é de 90 dias, segundo Araújo.

Se todos usarem a Justiça, pode ocorrer um colapso pela geração de uma fila com ordens judiciais na Anvisa. Essa é a percepção do procurador-chefe do órgão, Maxiliano D'ávila Cândido de Souza. Apesar disso, a agência não pode contratar técnicos terceirizados para acelerar as análises, segundo Souza, mas apenas por meio de concurso público. O procurador alega ainda que a Lei nº 6.360, de 1973, que instituiu o prazo de 90 dias, é de uma época em que a realidade era outra. "Hoje, as tecnologias são mais complexas e exigem uma análise mais complexa", diz. Souza afirma também que há culpa das empresas em vários casos. Se falta o cumprimento de exigências, como documentos, por exemplo, o processo só volta para a Anvisa em até 30 dias e o técnico tem que analisar o pedido novamente. Dos 15 mil pedidos recebidos em 2009, 70% estavam incompletos, segundo Souza.

Frente a essa situação, há empresas como a CMW Saúde e a Philips do Brasil que optam por não ir ao Judiciário. Segundo Wilson Monteiro Junior, gerente-geral da Philips Healthcare Brasil, a demora tem impactado os negócios. "Acabamos colocando um produto de alta tecnologia no mercado brasileiro com atraso também e deixamos de ganhar mercado", diz. Ainda assim, a empresa tem apostado em alternativas. Em relação a alguns produtos, a Anvisa já implantou critérios mais simples de análise, de acordo com a complexidade do produto e seu nível de risco. "Apoiamos esse tipo de medida, por exemplo."

O diretor comercial da CMW Saúde, Wellington Silva, também afirma que a demora da Anvisa atrapalha o planejamento estratégico da empresa. "Contabilizamos milhões de prejuízo diante da não comercialização, mas preferimos não ir à Justiça", afirma. Segundo a presidente da Câmara Brasileira de Diagnóstico Laboratorial (CBDL), Liliana Perez, é comum as empresas não quererem se indispor com a Anvisa. Isso acontece porque, segundo ela, muitas dessas empresas são multinacionais. Além disso, a maioria depende da Anvisa com relação a várias licenças. "Por isso, evitam ao máximo ir à Justiça", diz. Com 40 associados, a CBDL movimenta por ano cerca de R$ 1,2 bilhão.

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