Quando o ambiente ameaça na alfândega

VALOR ECONÔMICO
14/12/2009

As barreiras levantadas ao comércio mundial com as medidas para enfrentar o aquecimento global já fazem parte das discussões no governo e entre empresários mais atentos. Até recentemente, tanto no setor privado quanto em gabinetes oficiais, os discursos se limitavam a condenar medidas de defesa de meio ambiente que pudessem ser usadas como pretexto para o protecionismo. Essa visão foi ultrapassada. São os consumidores, não os concorrentes dos países ricos, que começam a exigir "selos verdes" para as mercadorias.

Os compromissos de redução de emissões de dióxido de carbono discutidos nesta semana em Copenhague podem estimular mecanismos de controle nacional, tema de política na Europa e Estados Unidos; um fracasso em Copenhague deve intensificar as pressões de firmas europeias e americanas para imposição de exigências às importações com origem em países que não aplicam os mesmos esquemas de controle de emissões do mundo desenvolvido.

BCA, sigla em inglês para "ajuste de carbono na fronteira (border carbon adjustment)" será um termo muito ouvido nas conversas sobre comércio exterior, daqui em diante. Será preciso, aliás, conhecer um novo vocabulário para integrar a biodiversidade do comércio global nesses tempos de ameaças ecológicas. Outro termo fundamental é o chamado "cap and trade", sistema pelo qual os governos fixam limites de emissão de carbono e obrigam as empresas de determinados setores a adquirirem licenças equivalentes às emissões de CO2 geradas na produção de suas mercadorias. Já é impossível discutir seriamente comércio internacional, sem usar essa expressão.

Sob o abrigo dos esquemas de "cap and trade", deve crescer uma nova fauna de subsídios e tarifas sobre importados, sistemas de licenciamento de importação e incentivos industriais.

Espécies novas, protegidas pela bandeira ambiental e ainda não domesticadas pelos especialistas da Organização Mundial do Comércio, instituição que já se mostra sem muita força mesmo para cuidar do atual meio ambiente comercial.

O tema foi tratado, semana passada, em Brasília, por altos funcionários do governo brasileiro com o representante comercial assistente dos EUA (assistant USTR) Everett Eissenstat, no encontro regular das duas administrações para discutir pendências e projetos comuns. O governo brasileiro queria informações sobre possíveis custos adicionais impostos aos exportadores brasileiros. Segundo Eissenstat, essas informações dependerão dos resultados da reunião de Copenhague e dos compromissos a serem assumidos pelos países lá.

A Câmara de Representantes dos EUA, equivalente à Câmara de Deputados brasileira, já aprovou um projeto de lei com seu programa abrangente de redução das emissões de carbono, conhecido como emenda Waxman-Markey, que impõe obrigações especialmente para os setores químico (fertilizantes, perfumes, tintas, cosméticos), produção de metais, soda e fosfatos, papel e celulose. Um proveitoso estudo de economistas da LNGM Associados, preparado a pedido do Centro de Estudos de Integração e Desenvolvimento (Cindes), do Rio de Janeiro, mostra que o país está bem neste debate, mas há riscos, ainda que restritos a poucos setores, para o Brasil, em médio prazo.

O estudo "Políticas Climáticas e Efeitos Sobre o Comércio", recém-concluído, mostra desdobramentos do regime de "cap and trade" tanto na União Europeia quanto nos EUA. Os europeus já têm o sistema em funcionamento, restrito às próprias empresas, que recebem gratuitamente licenças com limites (caps) do governo, em emissões de carbono, e podem vender ou comprar essas licenças, conforme emitam menos ou mais que os tetos fixados oficialmente.

A partir de 2020, as companhias europeias terão de comprar estas licenças, em leilão, e há pressões, lideradas pela França, para que sejam cobradas, ou compensadas com uma "tarifa-carbono", também de quem quer exportar à Europa. Nos EUA, ainda não foi posta em prática a emenda Waxman-Markey, mas parece questão de tempo para se tornar bandeira do governo democrata.

As autoridades devem determinar até julho de 2011 que produtores serão sujeitos às restrições do novo esquema. Como descreve o estudo para o Cindes, a mudança de matriz energética nos EUA prevista pela emenda inclui forte apoio do Estado a medidas de política industrial e investimento em pesquisa, que podem incluir "rebates" (isenções de imposto) ou compensações financeiras para os investimentos privados em eficiência energética e processos produtivos menos danosos à atmosfera.

As vagas determinações da emenda dão poder enorme ao Estado para administrar o regime de licenças, que, a partir de 2020, serão exigidas também nas importações. Dependendo da forma como se fará isso, pode haver desobediência às normas da OMC, alerta o Cindes.

O ajuste nas fronteiras se dará para importações americanas de países que não façam "esforço comparável" ao dos EUA. Isso, no mínimo, imporá um custo burocrático adicional aos exportadores brasileiros, que serão obrigados a documentar o conteúdo de carbono incorporado em sua produção. Chegam a pelo menos 3% das exportações brasileiras os produtos ameaçados por medidas dos EUA. Pouco, mas em setores-chave, de grande peso político.

O Brasil esta bem na contabilidade geral dos esforços para redução de emissões. Mas, se o critério dos EUA para exigências aos importados for o tamanho dos esforços da indústria local para reduzir as emissões de carbono, as empresas brasileiras podem enfrentar "alto preço", diz estudo. Isso porque o governo no Brasil tende a concentrar esforços no combate ao desmatamento, onde serão maiores os efeitos na redução de emissões na atmosfera.

Cobrar das indústrias brasileiras esforços de mitigação proporcionais aos das companhias nos EUA pode afetar a competitividade dessas empresas, aponta o estudo do Cindes. Esse é um dos temas embutidos na briga por palavras da declaração final de Copenhague.

Sergio Leo é repórter especial e escreve às segundas-feiras

E-mail: sergio.leo@valor.com.br

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