Faltam esforços públicos para estimular a presença mundial

VALOR ECONÔMICO
João Carlos de Oliveira, para o Valor, de São Paulo
09/12/2009

Internacionalização: Enquanto o Brasil tem tratados com 28 países contra bitributação, a Rússia soma 73 acordos; a Índia, 83; e a China, 101. Governo monta grupo para debater ações de apoio às múltis do país

O Estado brasileiro ainda engatinha quando a questão e o debate são sobre a necessidade de criar instrumentos e políticas públicas para apoiar o processo de internacionalização das empresas brasileiras. Há ainda muito para ser feito nesse aspecto. Até porque, nas últimas décadas, mudaram tanto a importância das empresas brasileiras como a do próprio país na cena mundial. Ou seja, hoje, o Brasil e suas multinacionais precisam se preparar também porque são mais relevantes.

Felizmente, já há iniciativas em andamento. Em maio foi criado um grupo técnico para debater quais devem ser as ações governamentais para fortalecer o processo de internacionalização. O grupo, sob a coordenação da Câmara de Comércio Exterior (Camex) do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio exterior (MDIC), é integrado por representantes daquele ministério, das Relações Exteriores, da Fazenda, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Participam também entidades como Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet) e a Fundação Don Cabral.

O grupo tem estudado as políticas de apoio que foram desenvolvidas e adotadas mais recentemente por outros países, como Espanha, Coreia e Índia. No caso espanhol, os setores de telecomunicações, finanças, seguros e fornecimento de energia são os que mais buscaram investir fora. Embora o investimento no exterior seja privado, o Estado teve papel muito importante, adotando políticas para reduzir os custos dos investimentos, com, por exemplo, tratados com outros países para evitar a dupla tributação e um programa de conversão de dívidas em investimentos, entre outros. Em todos esses aspectos, o Brasil está muito atrasado.

Segundo a Sobeet, entre 1998 e 2008, o Brasil negociou menos acordos de investimento com outros países do que Ilhas Seychelles, Costa do Marfim, Vanuatu e Eritreia. Acordos desse tipo visam incentivar, promover e proteger os investimentos feitos por empresas brasileiras no exterior e por empresas estrangeiras no Brasil. A ideia é evitar um tratamento discriminatório, criar regras e fixar formas de indenização em caso de expropriação e gerar mecanismos para solução de controvérsias. Enfim, acordos desse tipo seriam muito úteis para que fossem mais bem equacionados alguns dos problemas enfrentados recentemente por empresas brasileiras na América Latina, com destaque para o caso da Petrobras na Bolívia e da Odebrecht no Equador.

Entre 1994 e 1999, o Brasil realizou 14 acordos desse tipo e seis foram efetivamente enviados ao Congresso para aprovação (Alemanha, Chile, França, Portugal, Reino Unido e Suíça). Contudo, nenhum deles está em vigor. É que, em 2002, os tratados foram retirados de tramitação pelo Executivo.

Na época, o governo argumentou que a inexistência dos acordos não estava afetando a posição do Brasil como importante receptor de investimentos estrangeiros. Como resultado dessa decisão, o Brasil não tem nenhum tratado do tipo vigorando, enquanto a Rússia tem 37; a Índia, 48; e a China, 89. Detalhe: hoje, cerca de 900 empresas brasileiras são atuantes no exterior e algumas delas são importantes players globais, como JBS Friboi, Petrobras, Vale, Votorantim, Odebrecht, Gerdau e Embraer, entre outras. Outro exemplo desse atraso é o caso dos acordos firmados entre países para evitar que as empresas paguem impostos no Brasil e no país onde também se instalaram.

O Brasil tem 27 tratados em vigor para evitar a bitributação com 28 países - um mesmo tratado vale para a República Tcheca e para a Eslováquia - e outros quatro acordos (Rússia, Peru, Venezuela e Trinidad e Tobago) foram assinados, mas ainda aguardam aprovação ou ratificação do Brasil. O número pode parecer alto. Não é. A Rússia tem 73 acordos; a Índia, 83; e a China, 101.

"A falta desses acordos reduz a rentabilidade das empresas", diz Luís Afonso Lima, presidente da Sobeet. Um exemplo é dado pela consultora Isabel Bertoletti, da Machado Associados Consultores e Advogados. Imagine uma empresa que se instalou nos EUA - país sem tratado com o Brasil. Sem acordo, a companhia pode vir a pagar 35% de Imposto de Renda nos EUA e, além disso, o dividendo ainda pode ser taxado por uma alíquota de 30%. A regra tributária pode até inviabilizar o investimento.

Isabel conta que, em alguns casos, as empresas acabam sendo obrigadas a criar companhias em países que tenham simultaneamente acordos tributários com o Brasil e com os Estados Unidos, por exemplo. "Isso é custo. Sem falar que o terceiro país pode, por exemplo, questionar se aquela determinada instalação serve apenas para que regras dos acordos tributários possam ser seguidas e obrigar a companhia a pagar mais tributos."

Por que, então, o Brasil tem tão poucos acordos tributários com outros países? Em primeiro lugar, porque o governo teme perder arrecadação.

O detalhe é que alguns países pediram revisão dos acordos justamente por conta de desconforto com as regras de tributação praticadas pelo Brasil, especialmente no caso de serviços, como afirma Isabel. É que o Brasil está cobrando um pacote de impostos, cuja alíquota total é de 50%, na prestação de serviços por parte de empresas estrangeiras, mesmo de países que tenham acordos assinados com o país. Esses países argumentam que essa cobrança impede a igualdade de tratamento.

Um segundo motivo é que, no passado, "o Brasil era visto internacionalmente como um país de Terceiro Mundo e, por isso, gozava de certas vantagens tributárias concedidas pelos países mais desenvolvidos. Bem, isso acabou", diz Isabel, acrescentando que o país está perdendo a acesso a essas vantagens tributárias concedidas.

Convém lembrar que há uma distância de tempo entre a decisão de acelerar e fechar novos acordos e a efetiva realização desses tratados. É um processo que consome de um a dois anos para ser operacionalizado. Mas, de todo modo, não é um tempo que se está perdendo. Ao contrário. Até agora as empresas se internacionalizaram, apesar da inexistência de uma política de Estado. Foram contingências de mercado e da nova realidade econômica global que as impulsionaram nesse sentido.

Em alguns momentos, o governo foi até mesmo um obstáculo à internacionalização, ou porque tinha a crença de que o Brasil era e sempre seria apenas um país receptor de investimentos ou por acreditar que incentivar a internacionalização significava exportar empregos e capital. No primeiro caso, convém lembrar que, em 2006, por exemplo, quando a Vale comprou a canadense Inco, segundo a ONU, o Brasil foi o 12º maior investidor do mundo, superando a Suécia e a Holanda, além da Rússia. No mesmo ano, o Brasil foi o 19º no ranking dos países que mais receberam investimentos diretos. Claro, 2006 pode ter sido uma exceção. Mas o fato é que o Brasil não é mais apenas um receptor de investimentos. Tanto que, de 2000 a 2007, o estoque de investimento direto brasileiro no resto do mundo (reflexo da atividade das multinacionais brasileiras) aumentou de US$ 51,9 bilhões para US$ 129,8 bilhões.

No segundo caso, de fato, como afirma o professor da PUC Antônio Correa de Lacerda, é preciso evitar que as companhias fechem no Brasil e se transfiram para o exterior. O temor é compartilhado por Álvaro Cyrino, professor das fundações Don Cabral e Getúlio Vargas. Ambos, contudo, acreditam que o processo em curso no Brasil não tem essas características e é virtuoso para a estrutura produtiva do país.

Como lembram os dois, ele pode ajudar a equilibrar o câmbio (criando demanda por dólar), pode aumentar o grau de competitividade da economia e fortalecer o processo de inserção competitiva do Brasil na economia global. "O que falta é uma estratégia mais articulada do governo", acredita Lacerda. "Os Estados Unidos apoiam a internacionalização de suas empresas desde a 1º Guerra", completa Cyrino.

No estudo "Multinacionais Brasileiras e Políticas de Apoio Governamental", Glauco Arbix afirma que o Brasil precisa aproveitar as oportunidades e os benefícios decorrentes do boom sino-indiano, que mudou o desenho econômico global, "evitando a todo custo a especialização regressiva". Assim, ele continua, o país necessita de políticas ativas para sustentar a elevação do padrão produtivo e para se afastar da dependência das commodities. Em resumo, internacionalizar significa, especialmente no novo cenário mundial, tornar também a economia nacional mais competitiva como um todo. Um bom exemplo dessa sinergia é o caso da Odebrecht. Em 2008, conta Paulo Cesena, diretor financeiro da construtora, 2.800 empresas brasileiras, especialmente pequenas e médias, participaram de contratos executados pela Odebrecht no exterior. São fornecedores dos mais diversos tipos de bens e serviços. Assim, a Odebrecht mantém um padrão de qualidade, enquanto seus parceiros tornam-se mais competitivos. É um processo de ganha-ganha.

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