A batalha decisiva de Mantega

Revista ISTOÉ Dinheiro - 09/07/2012
Em meio ao aprofundamento da crise externa, o ministro da fazenda prepara novas armas para defender o crescimento do país. Está na hora de avançar mais e reduzir o custo Brasil.
Luís Artur NOGUEIRA


Guerra é guerra. Desde que o governo federal lançou o plano Brasil Maior, em agosto de 2011, a expectativa de que o setor produtivo responderia à altura aos incentivos propostos no pacote alimentou as projeções de crescimento para este ano. A aposta de crescer 4,5% do PIB parecia lógica, diante da estratégia, que adotou as mesmas armas utilizadas para a crise de 2009: incentivos ao consumo, redução de juros e estímulos ao investimento. Porém, a realidade não correspondeu aos aos movimentos do governo no campo de batalha econômica. Embora sete pacotes de medidas tenham sido anunciados desde então, a produção industrial continuou caindo, como revelou o IBGE na semana passada.

Guido Mantega, Ministro da Fazenda: "Este momento requer ousadia do governo,

do setor privado e do setor financeiro".

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, reconheceu a gravidade da crise e voltou a convocar os generais do setor privado para garantir a retomada do crescimento, a despeito dos efeitos da crise externa. "Essa crise parece menos intensa que a de 2008, mas não é", afirmou na quarta-feira 4 a empresários reunidos na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). "É preciso que o setor empresarial desperte seu espírito animal e faça os investimentos, pois quem sai na frente tem vantagens", conclamou, repetindo o mantra da comandante Dilma Rousseff. Enquanto prepara novas medidas anticíclicas, o governo decidiu escancarar a tática na chamada guerra cambial, que Mantega descreveu há dois anos.

Todo o arsenal bélico do Banco Central e da Fazenda foi voltado para a defesa do dólar a R$ 2, patamar 15% superior ao de 12 meses atrás, quando a moeda americana valia R$ 1,75. Essa desvalorização foi fruto direto de uma ação orquestrada das tropas do BC, com diversas intervenções nos mercados à vista e futuro, além da redução dos juros básicos, e da Fazenda, que taxou o capital especulativo e dificultou captações de recursos no Exterior. "Por que o Brasil vai fazer papel de bobo enquanto outros países usam o câmbio para ter competitividade?", indagou o ministro, na Fiesp, aos empresários ali reunidos pela entidade e pelo Grupo Lide. A ação defensiva do governo brasileiro, apesar de enfraquecer o real, está longe de ser uma panaceia.

Ao contrário, não tem gerado resultados efetivos no comércio exterior e pode ser um tiro no pé da competitividade, pois mascara a verdadeira batalha do País: reduzir de vez o famigerado custo Brasil. No primeiro semestre, o saldo da balança comercial despencou 46%, dos US$ 13 bilhões registrados em 2011 para US$ 7 bilhões neste ano. Nem mesmo o total das exportações, que deveriam crescer à medida que o real fica mais barato, reagiu, ficando praticamente estacionária na casa dos US$ 117 bilhões. O ministro Mantega, no entanto, garante que, se não fosse essa desvalorização, a situação seria pior. E aponta a recuperação nas transações comerciais com os Estados Unidos como resultado de uma taxa de câmbio favorável, por reduzir os custos de produção em dólar e aumentar a competitividade dos produtos brasileiros.

"As nossas exportações para os Estados Unidos melhoraram muito e caminhamos para um saldo comercial positivo." A leitura do ministro, entretanto, está longe de ser unânime. "Essas medidas monetárias do governo não resolvem e podem prejudicar a entrada de investimento direto, que é produtivo e saudável", afirma Luciano Rostagno, estrategista-chefe do banco alemão WestLB. Ao contrário do que uma análise simplista possa transparecer, a indústria brasileira precisa, hoje, de um ambiente favorável à competição por meio de diversas ações simultâneas e reformas profundas, que não apenas a interferência no preço do dólar. Somente a falta de estrutura de logística, um dos grandes fatores que pesam no custo Brasil, representa perdas anuais de US$ 80 bilhões às empresas nacionais, segundo cálculos da Fundação Dom Cabral, de Belo Horizonte.

"O dólar a R$ 2 não traz ganho de produtividade, e sim alguma capacidade de competir", diz o economista Paulo Rabello de Castro, da RC Consultores, que classifica a estratégia cambial do governo de compensatória e pontual. Além disso, o ex-diretor do BC Carlos Thadeu de Freitas alerta para eventual impacto nos preços. "Do ponto de vista da inflação, isso não é bom", diz Freitas. "Porque hoje ela está baixa, num contexto deflacionário no mundo. Mas a inflação pode voltar." Se esse cenário se confirmar, o aparente benefício às exportações evapora rapidamente, explica o economista Luís Eduardo Assis, que também foi diretor do BC. "Com o dólar a R$ 2,20, haverá impacto na inflação, corroendo a vantagem dada ao exportador", afirma Assis.

A presidenta Dilma Rousseff voltou a comandar pessoalmente o Pac e avisa: "Vamos virar esse jogo".

COMÉRCIO EM ALTA A equipe da presidenta Dilma, entretanto, está mais atenta ao curto prazo. A meta é salvar, em 2012, a atividade produtiva, que amarga resultados pífios desde o ano passado. Na última semana, o IBGE divulgou que a produção industrial recuou 4,3% em maio frente a igual período de 2011. Foi a nona queda consecutiva nesse tipo de comparação. Enquanto isso, o comércio celebra um crescimento das vendas, demonstrando que o vigor do mercado interno continua, principalmente com os ganhos de renda consecutivos do trabalhador. A projeção da Confederação Nacional do Comércio (CNC) é de que o varejo feche com um crescimento real de 7%, um pouco acima dos 6,9% de 2011. "O crescimento do mercado estimula a importação", diz Carlos Thadeu Freitas, economista-chefe da CNC.

Em outras palavras, a política econômica do governo acabou criando uma armadilha, ao focar na expansão do mercado de consumo, sem estimular, ao mesmo tempo, as condições favoráveis para ampliar a oferta interna. Para Luciano Rostagno, do WestLB, o governo tem consciência de que precisa efetuar medidas estruturais, como reduzir a carga tributária, diminuir os gastos públicos, aumentar a qualificação profissional e melhorar a infraestrutura, mas agora o momento é de socorrer a indústria. "Manter o dólar alto é necessário por conta de erros do passado", diz Restagno. Olhar para o futuro demanda audácia, e o ministro Guido Mantega sabe disso. Mas já deixou claro que pretende chamar os empresários para dividir a mesma trincheira.

"É um momento que requer ousadia do governo, do setor privado, que precisa aumentar produtividade com investimento, e do setor financeiro, que precisa reduzir um pouco a margem de lucro", disse Mantega, na quarta-feira. A batalha, entretanto, está longe de ser simples. O presidente do Itaú Unibanco, Roberto Setubal, que esteve com o ministro no encontro na Fiesp, lembrou que a colaboração do setor financeiro tem limites. "A ideia de que os bancos vão reduzir o spread com a redução do lucro não funciona bem, pois a margem é pequena", disse Setubal. O ministro rebateu a afirmação do banqueiro, lembrando que a diferença entre a taxa de captação das instituições e a cobrada nos empréstimos no Brasil é a maior do mundo.

"O spread é muito alto, doutor Roberto", disse Mantega. "Não há razão para isso." A batalha decisiva de Mantega exige não só pressionar os bancos a liberar mais crédito, "o oxigênio da economia", em sua definição, mas também convencer o setor produtivo de que vale a pena imunizar-se contra o pessimismo, apostando num 2013 mais promissor. "Quem sair na frente, terá vantagem mais adiante, quando a economia estiver crescendo", reforçou o ministro. Mas a prática tem se mostrado distinta para o setor privado. "Quando fizemos os planos de investimentos no ano passado, nós projetávamos um crescimento de até 5% para o PIB do Brasil, em 2012", diz Mario Anseloni, presidente da Itautec.

Embora enfatize que a fabricante de computadores e produtos de automação bancária continua acreditando no potencial do mercado brasileiro, Anseloni reconhece que o orçamento está sendo revisto. "Você não pode ignorar uma realidade que está muito diferente daquela que existia alguns meses atrás." Para quebrar essa resistência do setor privado, o governo tenta acelerar as obras de infraestrutura. Insatisfeita com os resultados práticos – o investimento público só cresceu 2,2% no primeiro semestre em relação ao mesmo período do ano passado –, a presidenta Dilma Rousseff assumiu informalmente o comando do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), prometendo remover obstáculos que estão travando os principais projetos.

"Vamos virar esse jogo", afirmou a presidenta aos jornalistas na quarta-feira 4, em Brasília, ao ser indagada sobre o resultado negativo da indústria. No dia seguinte, o Conselho Monetário Nacional aprovou uma linha de crédito subsidiado voltada à exportação e aos investimentos para 20 setores, no total de R$ 6,7 bilhões. O governo vai liberar ainda R$ 18 bilhões para a safra da agricultura familiar 2012/2013. "Se for necessário mais, eles terão mais recursos", afirmou Dilma. SERVIÇOS RESISTEM A prioridade para a presidente e seu ministro da Fazenda é salvar o Produto Interno Bruto (PIB), neste segundo semestre para alcançar um crescimento se não igual, próximo ao do ano passado, de 2,7% – quase dois pontos percentuais a menos do que o previsto no início de 2012.

O governo justifica essa revisão pessimista em função do quadro negativo mais duradouro no Exterior. "O setor mais afetado pela crise é a indústria", disse Mantega. Ao que tudo indica, o setor de serviços pode ser um fiel da balança para não fechar o ano num parco zero a zero. O segmento de cartões de crédito, por exemplo, aguarda a retomada do crescimento econômico para expandir ainda mais os negócios. "Quanto mais cresce o consumo das famílias, maiores são as nossas oportunidades", diz Gilberto Caldart, presidente da Mastercard. "Continuamos otimistas porque a confiança do consumidor vai aumentar, diante do desemprego em baixa e a renda em alta." O diretor-geral do Hotel Transamérica de São Paulo, Cláudio Bonuccelli, concorda, e dá um voto de confiança ao governo.

"A equipe econômica demonstra vontade de atacar o problema", diz Bonuccelli. O grande dilema é que as dificuldades atuais demandam artilharia pesada, avalia o presidente do banco Itaú, Roberto Setubal. Na visão do banqueiro, chegou a hora de o Brasil depender menos da exportação de commodities para crescer. "O novo motor da economia passa pela agenda da eficiência da economia", disse Setubal. Para o presidente do Conselho Consultivo da Nestlé, Ivan Zurita, o primeiro passo foi dado na semana passada. "Há uma união entre governo, empresários e banqueiros para reverter a inquietação do mercado nesse momento", diz Zurita. Para ganhar a guerra, entretanto, é preciso transformar as boas intenções em ousadia de fato.

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