Mercado quer trocar Libor por nova taxa

Valor Econômico - 17/07/2012
Por Michael Mackenzie e Brooke Masters | Financial Times, de Nova York e Londres


Na década de 1980, operadores e banqueiros especializados em áreas novas e exóticas dos empréstimos sindicalizados e contratos futuros de juros se viram diante da necessidade desesperadora de um referencial para balizar os preços de seus negócios.

Não havia negócios suficientes para um índice baseado no mercado, de modo que a British Bankers" Association (BBA), com o apoio do Banco da Inglaterra, decidiu criar uma taxa alternativa, baseada em uma média diária de estimativas de bancos participantes.

Essa taxa - a London Interbank Offered Rate ou Libor - hoje serve de referencial para US$ 500 trilhões em contratos de derivativos, além de um montante parecido em cartões de crédito, empréstimos corporativos e hipotecas ao redor do mundo.

Sua confiabilidade, porém, foi abalada pela admissão do Barclays de que ele - e operadores de outras instituições financeiras - tentou manipular a taxa para ganhar dinheiro com derivativos ou tranquilizar os mercados sobre a saúde financeira da instituição.

"Se você tivesse uma folha de papel em branco e estivesse criando um mercado de derivativos do zero, você não usaria a Libor como a taxa referencial flutuante" diz Michael Cloherty, diretor de estratégia de juros da RBC Capital Markets.

Políticos, reguladores e banqueiros procuram outro referencial, com o objetivo de ser menos dependentes das estimativas subjetivas de um clube de bancos que gera receitas enormes com negócios pouco transparentes com derivativos no mercado de balcão, baseados na mesma taxa que estão encarregados de estabelecer.

O governo britânico anunciou uma revisão do processo de definição da Libor que espera concluir no quarto trimestre com recomendações de mudanças na maneira como a taxa é estabelecida e na supervisão reguladora do processo.

Mas o mesmo dilema que levou à criação da Libor continua sendo um problema. Simplesmente não há negócios em volumes suficientes, especialmente em períodos de empréstimos mais longos de seis e 12 meses, que garantam que a taxa vai refletir genuinamente o mercado.

O propósito da Libor é medir a taxa pela qual os bancos podem tomar empréstimos uns dos outros. Mas no mundo real, os bancos geralmente não transferem dinheiro uns para os outros. Os fundos mútuos abertos ("money market funds") fazem esse tipo de empréstimo, mas apenas por períodos de tempo curtos. Isso significa que as cotações para a Libor de seis, nove e 12 meses são baseadas em estimativas e não em fluxos.

Satyajit Das, um operador de derivativos que virou consultor e escritor, diz: "O problema fundamental é que a Libor é um referencial que foi mal concebido, para os derivativos de balcão, que, por sua própria natureza, são pouco transparentes. Trata-se de um problema de raízes profundas, difícil de ser resolvido".

De sua parte, a BBA lidera um grupo de trabalho para reformar a Libor com a International Swaps and Derivatives Association (ISDA). O processo de definição envolve uma "média ajustada", em que as maiores e as menores estimativas são descartadas, mas essa precaução não parece ter impedido operadores do Barclays de tentar influenciar a taxa.

Analistas do J.P. Morgan afirmam: "A Libor carece da transparência que o mercado e as autoridades reguladoras querem. Embora as autoridades reguladoras estejam conspirando para reestruturar a Libor, o apoio a esse referencial poderá diminuir na medida em que os participantes do mercado procuram alternativas".

A ISDA está preparada para ouvir se o mercado quer uma alternativa. "Vamos consultar nossos membros sobre os resultados da revisão da BBA e se o consenso for de que mudanças na documentação da ISDA se fazem necessárias, facilitaremos essas mudanças", afirma a associação.

Uma possibilidade que desperta interesse na Europa seria criar a base das novas taxas sobre uma combinação de negócios reais e estimativas vinculadas. Os bancos teriam que estar dispostos a se envolver em transações com suas taxas cotadas, em vez de apenas chamá-las de estimativas. Nos EUA, o foco está sobre a taxa efetiva dos "federal funds", a taxa dos títulos do Tesouro ou o uso da taxa "General Collateral Finance Repo".

"Todas as três taxas podem ser negociadas e "hedgeadas" individualmente, o que é um pré-requisito importante para se administrar a exposição de juros de um swap baseado no índice", diz Fidelio Tata, estrategista do Société Générale.

Das três, a taxa "repo" - ou de recompra - é considerada como a que apresenta as melhores perspectivas, pois é baseada em negócios reais de recompra de bônus do Tesouro, um mercado que movimenta US$ 400 bilhões.

Como candidata a substituta da Libor, a taxa repo do Tesouro americano poderia ganhar fôlego se a "repo futures" cair no gosto do mercado, aumentando as chances de se tornar o referencial para um novo título flutuante do Tesouro, esperado para o ano que vem.

Desde segunda-feira, a NYSE Liffe está negociando contratos futuros baseados no índice repo da "Depository Trust and Clearing Corporation", que acompanha a taxa de juro média paga a cada dia nos negócios mais ativos do mercado de recompras dos EUA.

Os analistas do J.P. Morgan afirmam: "Seja qual for o índice escolhido para o programa do Tesouro, ele terá uma posição privilegiada para se tornar a próxima Libor".

Em última análise, a tarefa de substituir a Libor se reduz a quanto o setor está disposto a sacrificar dos custos de curto prazo por um referencial melhor e mais confiável.

Cloherty diz: "Chegar do ponto A ao ponto B será muito difícil. Vai depender se o objetivo de se chegar a um mercado de derivativos baseado em um referencial com liquidez será grande o suficiente para compensar os custos da transformação".

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