Opinião - As mudanças da política cambial e suas sequelas

Valor Econômico - 19/07/2012
Nathan Blanche


Tem ficado cada vez mais claro que o governo vem alterando os pilares da política econômica vigentes até o fim do governo Lula. Finalmente, engatamos marcha à ré no processo de conversibilidade do real, que teve início nos primórdios da década de 1980. Do tripé bem-sucedido da política macroeconômica, formado por superávit primário, metas de inflação e câmbio flutuante, os dois últimos estão sendo dramaticamente alterados. O sistema de metas de inflação não mais guia a política monetária, que é conduzida também com o objetivo de impulsionar o crescimento e desvalorizar a moeda. O câmbio flutuante tornou-se câmbio administrado. Definitivamente, a condução da política monetária e cambial foi transferida do Banco Central (BC) para a Fazenda. E essa mudança pode ser danosa para a economia brasileira no médio prazo.

Passados os efeitos mais agudos da crise de 2008, o real voltou a se valorizar. Para evitar apreciação adicional da moeda, o governo tomou medidas, que foram aprofundadas recentemente, para restringir a entrada de dólares. Além disso, no anúncio do Plano Brasil Maior, o governo indicou claramente o fim do câmbio flutuante, ao sinalizar que: a) o BC continuará aumentando as reservas internacionais para evitar a apreciação do real; b) que a Selic será usada para promover a desvalorização cambial; e c) que as ações sobre o câmbio são de caráter permanente e que as mais importantes são as que ainda serão tomadas.

Desde março, o dólar valorizou-se 3,1% ante uma cesta de moedas, enquanto o real teve uma perda de 16,5%

Aliada às medidas administrativas, houve uma mudança importante do BC, que intensificou suas atuações na ponta compradora, enquanto a cotação seguia abaixo de R$ 1,90 por dólar, além de passar a agir com swaps quando o dólar ameaçou romper o patamar de R$ 2,10 por dólar. Neste contexto, o BC voltou a operar como fornecedor de hedge de última instância. Dadas as restrições impostas ao mercado de derivativos, o próprio BC ofereceu cerca de US$ 25 bilhões em swaps cambiais desde maio. Mais recentemente, sinalizou que, níveis abaixo de R$ 2,00 por dólar não eram desejáveis, reforçando a percepção de que há um "intervalo de conforto" para o dólar.

As ações adotadas nos últimos meses, somadas à piora no cenário externo, resultaram em redução do fluxo cambial. No primeiro semestre do ano o fluxo financeiro totalizou US$ 2,8 bilhões, ante US$ 23,6 bilhões em 2011. Com esse sinal de que faltariam recursos para financiar as contas externas, a Fazenda voltou atrás em uma das medidas em junho, reduzindo os prazos mínimos para incidência de IOF sobre empréstimos e captações feitos no exterior.

Os efeitos da junção dos componentes externos e domésticos podem ser vistos no descolamento da série do real em relação à do dólar perante uma cesta de moedas. Entre março e o final de junho, o dólar valorizou-se 2,8% ante essa cesta de moedas, enquanto o real teve uma perda de 16,1%.

Além disso, a volatilidade do real ante o dólar ampliou-se. No final de junho, a volatilidade histórica de um mês do real atingiu 18,3%, sendo a mais elevada entre as 16 principais moedas pares do dólar. No início de março, o real era apenas a 11º moeda mais volátil desta base. Já que o câmbio é claramente administrado, a pergunta é: quais devem ser as sequelas para a economia brasileira? Antes de mais nada, é preciso dizer que as políticas que vão na direção oposta aos fundamentos de uma economia tendem a gerar desequilíbrios que terão que ser resolvidos mais à frente e com custo elevado.

Nos últimos anos, o governo optou por promover o crescimento, incentivando o consumo, e contribuindo, assim, negativamente para os nossos baixos níveis de poupança (16,5% do PIB). Sem poupança, não se elevam os investimentos, e, como decorrência, o produto potencial. Dada a falta de poupança doméstica, é preciso recorrer à poupança externa para crescer.

Em 2012, a estimativa da Tendências para a necessidade de financiamento externo é de 4% do PIB, sendo US$ 55,7 bilhões de déficit em conta corrente e US$ 42 bilhões em amortizações de médio e longo prazo. Em condições normais, tal financiamento seria tranquilo, mas as medidas impeditivas ao fluxo de capitais podem colocar as contas externas em posição mais vulnerável. Em especial, considerando a imprevisibilidade atual do cenário externo.

Usar a desvalorização cambial para elevar a competitividade brasileira e superar a "desindustrialização" não é a solução. A globalização transformou a economia mundial numa "montadora" de eficiências. Mais de 70% das importações são de insumos e componentes. Vários setores já reclamam dos aumentos de custo de produção devido à desvalorização da moeda. Somente empresas ou setores que têm menor percentual de importados em sua cadeia de suprimentos é que são beneficiados. Ainda assim, a economia brasileira é muito fechada. O fluxo de comércio representa apenas 20% do PIB (a média dos Brics é de 47%).

Na verdade, o enfrentamento do problema de competitividade passa pela gestão pública, o excesso de burocracia, a logística de péssima qualidade, a deficiência educacional, o protecionismo, o crédito subsidiado apenas a alguns setores e empresas, enfim, o custo Brasil. A manipulação do "cobertor" chamado câmbio encobre nossas deficiências públicas e privadas e acima de tudo, representa um retrocesso a um modelo de descontrole cambial nos moldes argentinos.

A boa reputação construída nos últimos anos com base na defesa do tripé macroeconômico vem sendo desfeita, prejudicando a atratividade do país. E essa menor segurança, gerada pela falta de um padrão consistente de política econômica, não tem passado despercebida pelos investidores.

Nathan Blanche é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada.

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