Com criação de mini-BNDES, países da UE retomam política industrial

Autor(es): Por Assis Moreira | De Genebra
Valor Econômico - 17/09/2012


Reino Unido e França estão criando bancos estatais de fomento, espécie de mini-BNDES, para ajudar suas empresas a se financiar diante da forte retração do crédito por parte de bancos comerciais.
A tendência de intervenção do Estado cresce empurrada pela crise e pela recessão que ameaçam quebrar muitas companhias. E coloca bancos públicos no centro de novas políticas industriais também para enfrentar a concorrência maior de economias emergentes.
"Existe uma falha do mercado que justifica a intervenção do Estado através de bancos públicos, e isso está no coração de novas políticas industriais na Europa", disse ao Valor Christian de Boissieu, presidente do Comitê de Analise Econômica (CAE), que auxilia o premiê francês, e professor na Sorbonne.
No Reino Unido, o governo conservador de David Cameron ultima os detalhes do banco público. Ao contrário de 20 anos atrás, os britânicos não tem mais dificuldades de falar de política industrial. Um dos focos será em dar fôlego a pequenas e médias empresas e a projetos de economia verde. O crédito virá também em parceria com bancos privados menores.
O governo socialista na França estima que o banco público, a ser anunciado em breve, é uma urgência porque os bancos privados "não têm interesse suficiente na economia real, preferindo buscar margem maior no exterior", segundo o ministro da Recuperação Produtiva, Arnaud Montebourg.
O bancos francês vai coordenar intervenções públicas de financiamento para pequenas e médias empresas, infra-estrutura e para municípios e regiões, e também para companhias estratégicas, como de defesa nacional ou setor automotivo. O mini-BNDES francês terá € 30 bilhoes de capital inicial, o que não é muito se comparado ao crédito bancário, mas serve para alavancar bem mais socorro para empresas em dificuldades.
A Grécia, à beira do abismo, fez acordo de assistência técnica com o banco estatal alemão KfW e o Banco Europeu de Investimentos para criar seu banco de investimento produtivo de longo prazo.
Até os anos 1990, quase todos os países da Europa tinham um banco público para apoiar o investimento produtivo. Seguiu-se uma onda geral de privatizações, até por causa do clientelismo político que provocou recapitalizações enormes nesses bancos. Em meados dos anos 2000, só restavam o KfW. da Alemanha, que hoje tem ativos de € 516 bilhões, o Cassa Depositi e Prestiti da Itália (70% estatal), e a Caisse de Dépots na França, que financia moradia popular.
Agora, diz um alto funcionário europeu, em Bruxelas, "estamos passando de um paradigma de banco público que não servia a nada a um paradigma de que eles são extremamente úteis se os bancos comerciais não fazem o seu trabalho". Para ele, "acabou a ingenuidade", quando os governos constatam que socorreram bancos privados com centenas de bilhões de euros, sem necessariamente ter o controle sobre eles e sem mudar sua orientação de crédito.
Mas, na visão de Christian de Boissieu, presidente do orgão que auxilia o primeiro-ministro francês, a intervenção do Estado agora não significa voltar aos anos 80. Não há interesse em reestatização ou no Estado produtor. O Estado entra como indutor por meio de financiamento, de política fiscal.
"Há um retorno da política industrial, devido à crise, aos inconvenientes da desindustrialização e ao avanço de grandes economias emergentes", diz. "Na França, Portugal, Espanha, Grécia, o objetivo é melhorar a competitividade, reduzir o deslocamento de empresas, atrair investimento externo, e não elevar protecionismo."
Na avaliação do CAE, os bancos privados vão continuar emprestando menos do que antes da crise, por causa do Acordo de Basiléia III de capital próprio. Vão se retrair tambem porque a recessão em vários países da Europa aumenta o risco de falência de empresas.
Há ainda o sentimento na Europa de que emergentes como China e Índia estão reduzindo sua diferença com os países ricos num ritmo mais rápido que o previsto. "Não é certo que chineses e indianos nos alcançarão logo, mas a concorrência será cada vez mais acirrada e vai se jogar em tecnologia e educação", diz Boissieu.
"Estamos impressionados pelo ritmo dos asiáticos, e também atentos ao Brasil, Indonésia e outros. Se a Europa quer continuar na primeira divisão face aos EUA e os grandes emergentes, precisa fazer o que está começando agora, de o Estado ajudar na competitividade, inovação, pesquisa", acrescenta.
Para ele, a criação de megaempresas setoriais não é mais tarefa nacional, e sim de nível europeu. Mas essas empresas precisam menos da ajuda do Estado, pois têm acesso aos mercados de crédito.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui o seu comentário, muito obrigado pela sua visita!