Valor Econômico - 09/12/2011
A Argentina ensaia um aperto na economia no momento em que seus dois pilares no cenário externo começam a deteriorar as perspectivas do país a curto e médio prazos: a soja, principal produto de exportação, perdeu valor, e o Brasil, o maior parceiro comercial, passa por um desaquecimento da economia acima do previsto.
"Há três meses a soja estava a US$ 530 a tonelada e agora está a US$ 410. Isso é uma enormidade e vai provocar um ajuste. É um impacto na receita pública da ordem de bilhões de dólares", comentou o presidente da Fiat da Argentina, Cristiano Rattazzi, ao sair de um evento nesta semana. O executivo estava um pouco mais confiante sobre o outro pilar externo, o Brasil, absolutamente crucial para o setor automotivo argentino.
A venda de automóveis e autopeças significa 38% da pauta de exportações da Argentina ao mercado brasileiro. "O consumo no Brasil deve se manter. Obviamente vamos parar de crescer 30% todo mês, como está acontecendo."
As exportações ao Brasil representam cerca de 20% das vendas da Argentina e são essenciais para o saldo comercial da ordem de US$ 10 bilhões que o país deve obter neste ano, ainda que a relação comercial bilateral seja deficitária para os argentinos. "Cada ponto percentual a menos de crescimento no Brasil representa uma queda de quatro pontos percentuais nas exportações", disse o economista Mauricio Claveri, da Abeceb.
O moderado otimismo de analistas argentinos com o Brasil se deve à leitura de que a brusca desaceleração do PIB brasileiro no terceiro trimestre, em que a variação ficou em zero, ocorre por fatores macroeconômicos já corrigidos ao longo do ano.
"No início do ano, houve uma priorização no Brasil do controle inflacionário e uma alta na taxa de juros que travou o crescimento a médio prazo. Mas com as políticas anticíclicas do governo, como a desvalorização controlada do real e o corte da taxa de juros, isso foi corrigido. O PIB brasileiro deve ficar acima de 3% neste ano", afirmou o economista Ricardo Delgado, da empresa de consultoria Analytica.
A correção de rumos no Brasil ainda coloca em cheque outra vertente do modelo argentino: o uso do dólar como uma espécie de âncora contra a inflação. Ao longo deste ano, a cotação da moeda americana flutuou abaixo até mesmo da desacreditada inflação oficial de um dígito. O virtual congelamento do dólar, estratégico para impedir a aceleração da inflação real, foi favorecido pela política de alta de juros no Brasil, que empurrou o real para uma valorização frente à moeda americana, e, por tabela, ao peso. "A relação entre o peso e o real chegou a 2,6 por um em meados deste ano, algo sem precedente nos últimos vinte anos, o que favoreceu muito as vendas ao país", comentou Claveri. Atualmente, a cotação entre as duas moedas está em 2,3 para um. Entre 1999 e 2001, durante o governo De la Rúa e após o governo Fernando Henrique flexibilizar o câmbio no Brasil, a relação era invertida e o real valia menos da metade de um peso.
A soja e seus derivados significam de 25% a 30% da pauta de exportações argentinas e, se a commodity estacionar na faixa de US$ 400 a tonelada, o país perderá cerca de US$ 4,7 bilhões em exportações, segundo cálculo de Delgado. Outra consultoria, a Iaraf, faz uma projeção mais moderada e antevê uma perda de US$ 4 bilhões. Neste ano, as exportações argentinas devem atingir US$ 81 bilhões.
A queda da cotação da tonelada do grão caiu 12% em um ano. Nos últimos dias, o mercado internacional de grãos ensaiou uma leve recuperação, mas os contratos futuros eram negociados ontem a US$ 415 a tonelada, sendo que a cotação máxima do ano chegou a US$ 540.
O movimento é impulsionado pela liquidação de ativos provocada pela crise econômica global, mas a Argentina também é atingida por uma circunstância sem relação direta com o mercado financeiro: a retração econômica é mais forte na União Europeia e nos Estados Unidos, mercados que compram os derivados de soja com maior valor agregado, em forma de óleo ou farinha. A China, outro grande comprador da Argentina, adquire a soja em grão.
É em função do Brasil e da soja em baixa que as consultoras de economia passaram a estimar o crescimento do PIB para o próximo ano entre 3,5% e 4%. O cálculo ainda não considera uma eventual redução do consumo no país, por conta de reajustes salariais menores do que a inflação.
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