Crise entrava avanço da liberalização comercial

Valor Econômico - 22/12/2011

Quatro anos de crise praticamente colocaram uma pá de cal nas discussões de liberação do comércio internacional. Sinal evidente disso foi o resultado desolador da reunião da Organização Mundial do Comércio (OMC), realizada no fim da semana passada em Genebra. Era a primeira reunião de cúpula ministerial da OMC desde 2005, um encontro de alto nível, portanto. Na mesa, vários temas importantes, desde a inconclusa Rodada Doha, o compromisso de não elevar as tarifas de importação e, o mais importante, o renascimento do protecionismo.

No entanto, para começar, apenas cerca de 50 países enviaram ministros para os três dias de encontro, um terço dos 153 membros da OMC. As discussões ficaram circunscritas às acusações mútuas de protecionismo, que cresceram de intensidade desde a crise internacional. Surgiu até um ranking de protecionismo da Câmara de Comércio Internacional que colocou o Brasil como o país mais fechado do grupo dos 20 (G-20), superando China e Rússia, alvos tradicionais das queixas dos exportadores brasileiros. De acordo com a Câmara, o Brasil foi o país que mais medidas protecionistas adotou em 2011.

A verdade é que o Brasil não está sozinho. De acordo com o "think tank" americano Peterson Institute for International Economics, desde outubro de 2008, os países do G-20 implementaram 424 medidas protecionistas; apenas nos últimos 12 meses, foram 131 novas medidas. Só 10% foram removidas.

De acordo com reportagem de Alan Beattie, do "Financial Times" (13/12), o que está acontecendo é um protecionismo disfarçado - que chama de "protecionismo de época de crise" - como estímulos à produção doméstica e exigências de transferência de tecnologia e não na forma de tarifas maiores ou medidas antidumping. A definição cai como uma luva sobre as recentes medidas brasileiras no mercado de automóveis, que foram criticadas na reunião da OMC tanto por países desenvolvidos como mercados emergentes como a China, que não podem propriamente dar lições de abertura comercial.

Desde a criação do GATT, que antecedeu a OMC, foram concluídas oito rodadas de negociação comercial, quando vários tópicos são negociados e amarrados em um acordo. No passado, as discussões eram mais simples, concentradas em tarifas sobre bens industrializados, costuradas por um grupo pequeno de países ricos antes de serem impostas aos demais. A última negociação concluída, a Rodada Uruguai (1986-1993), da qual surgiu a OMC, ampliou as discussões para temas mais complexos como serviços e propriedade intelectual. Mas um pequeno grupo ainda dominava o debate. Isso começou a mudar quando as economias emergentes adquiriram maior expressão, a partir dos anos 1990.

Nesse novo cenário, foi lançada a Rodada Doha, em 2001. O comércio de produtos agrícolas é um dos temas mais delicados, além de serviços, propriedade intelectual e compras governamentais. As discussões se polarizaram entre economias avançadas e os emergentes e empacaram desde 2003.

Para não dizer que tudo está perdido, a última reunião da OMC conseguiu avançar no acordo plurilateral das compras governamentais. Criticados pelos emergentes, mas encampados pelos países ricos, os acordos plurilaterais são selados entre os países que concordarem com seus termos, sem preocupação com consenso de todos os membros da OMC. O Acordo das Compras Governamentais é um deles. Retirado da pauta da Rodada Doha, já tinha a participação de 15 países e agora chegou a 42. Além disso, houve quatro novas adesões à OMC, elevando o número de participantes para 157, com a entrada da Rússia, a última grande economia que ainda estava fora, Montenegro, Samoa e Vanuatu.

As ondas de protecionismo coincidiram com a retração do comércio internacional que se seguiu à desaceleração da economia mundial causada pela crise. O comércio internacional teve um forte encolhimento em 2009, de 12,1%, em volume. Em 2010, com a recuperação econômica, saltou nada menos do que 14,1%. Mas, neste ano, deve crescer apenas 5,8%, estima a OMC. E o diretor-geral da organização, Pascal Lamy, não espera um comportamento muito diferente em 2012 em vista das perspectivas de uma economia ainda fraca e da deterioração da situação na zona do euro.

O quadro em nada favorece qualquer progresso nas negociações em torno da maior liberalização comercial. "Vivemos tempos difíceis, com a pressão protecionista aumentando", reconheceu Lamy. Não há o menor clima para avançar a discussão da Rodada Doha.

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