Valor Econômico - 20/12/2011
Para alguns setores, a discrepância entre produção industrial e faturamento é muito mais intensa do que para a média do setor de transformação. São segmentos em que características específicas os fazem mais propensos a perder competitividade, como o uso intensivo de mão de obra - o que nos últimos tempos tem se traduzido em forte aumento de custos -, ou em que a concorrência com importados é superior à média.
O segmento de calçados e artigos de couro destaca-se nesse grupo. De janeiro a outubro, a produção desse setor, medida pelo IBGE, recuou 9,3%. Já o faturamento, na contramão, saltou 20,4%, segundo levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Marcelo de Ávila, economista da CNI, observa que o setor de couro e calçados sofreu muito com a crise em 2009 e ainda está em processo de recuperação. A questão, de acordo com o professor Edgard Pereira, da Unicamp, se concentra no fato de que esse é um dos setores em que a perda de espaço para os importados está mais avançada, principalmente por ser uma indústria intensiva em mão de obra.
Milton Cardoso, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), também diz que a culpa é das importações. Segundo levantamento da entidade, os preços no setor não estão sendo reajustados muito acima da inflação oficial. A projeção é de alta de 7,5% neste ano, apenas 1 ponto percentual a mais do que o previsto para o IPCA. O aumento de preços não justificaria avanço tão forte do faturamento.
Em sua análise, são as importações que explicam o descompasso. De janeiro a novembro de 2011, o salto na importação de pares de sapatos foi de 22%, segundo a Abicalçados. "Não consigo conceber outra explicação que não seja a importação por empresas que se classificam como indústria, mas atuam nas duas frentes [fabricação e comércio]. Tem aumentado o número de fabricantes que importam calçados", diz Cardoso.
O aumento dos estoques é uma das explicações para entender a distância entre faturamento e produção no setor que produz material eletrônico e aparelhos de comunicação, como telefones celulares. Para Ávila, da CNI, os inventários não desejados são fruto de aumento das importações, pois esta é uma indústria que conta com muitos componentes estrangeiros.
Para Cezar Rochel, gerente de economia da Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica (Abinee), é a comercialização de produtos importados pela própria indústria que explica a diferença entre faturamento e produção. "Há alguns anos, o faturamento expressava o nível de atividade industrial no setor. Hoje já não é mais assim", afirma Humberto Barbato, presidente da entidade.
No caso do setor de outros equipamentos de transporte, que se destaca tanto pela alta de produção (9,6%) quanto de faturamento real (34,2%), é principalmente o processo produtivo mais longo que explica o contraste com o restante da indústria, segundo a CNI.
Apesar de parecer uma situação cômoda para a classe industrial, que continua a faturar, os representantes reclamam. Para Barbato, a situação não é sustentável. Com o deslocamento da produção para outros países, especialmente a China, para fazer frente ao consumo interno, o nível de emprego no Brasil tende a ser reduzido.
Barbato diz que essa situação tende a elevar o desemprego e diminuir a renda do brasileiro, minando assim um dos pilares de sustentação do crescimento, apoiado na demanda doméstica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Deixe aqui o seu comentário, muito obrigado pela sua visita!