Editorial - Risco de mais guerra fiscal

O Estado de S. Paulo - 23/10/2012

A guerra fiscal en­tre Estados será legalizada, com graves prejuízos para a economia brasileira, se for convertido em lei um desastro­so projeto do senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) aprovado na semana passada pela Comis­são de Infraestrutura do Sena­do. Pelo projeto, bastarão três quintos dos votos para o Con­selho Nacional de Política Fazendária (Confaz) admitir incentivos tributários concedi­dos por um governo estadual. Como única exigência adicio­nal, terá de haver pelo menos um voto de apoio de cada região. Pela norma em vigor há cerca de 40 anos, só uma deci­são unânime pode validar o be­nefício fiscal. O conselho é for­mado pôr secretários de Fazenda de todos os Estados e do Dis­trito Federal e por um repre­sentante da União. Esse repre­sentante, o secretário executi­vo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, já se disse con­trário ao projeto.

Mesmo com a exigência de unanimidade, a concessão de isenções jamais aprovadas pelo Confaz tornou-se comum, a partir dos anos 80. Foi usada como forma de atração de in­vestimentos principalmente nas regiões menos industriali­zadas. Governos estaduais pas­saram a conceder vantagens sob várias formas - reduções, isenções de impostos ou diferi­mentos por longos períodos, além de terrenos e outras facili­dades. Essa política afetou as decisões sobre localização in­dustrial, sobrepondo-se a ou­tros fatores normalmente leva­dos em conta no planejamento industrial, como disponibilida­de de mão de obra capacitada, proximidade dos mercados e condições de infraestrutura.

O recurso a essa política por muitos Estados generalizou a guerra fiscal e transformou as políticas de atração de investi­mentos num grande leilão. Em­presas ganharam vantagens ex­cepcionais, enquanto os Esta­dos passaram a suportar custos crescentes para atrair investi­mentos ou reter as compa­nhias já instaladas. Houve pre­juízos para os Estados mais de­senvolvidos, em geral os mais afetados pela guerra, e uma dis­torção dos mecanismos de alo­cação de recursos. 

Para justificar a guerra fiscal, governadores alegaram a insufi­ciência ou inexistência de polí­ticas federais de desenvolvi­mento regional. Nunca deixa­ram, no entanto, de recorrer a transferências federais para fe­char suas contas e também pa­ra compensar, naturalmente, o custo fiscal dos incentivos.

Governos apelaram ao STF contra os incentivos ilegais con­cedidos em outros Estados. A transferência do assunto para a esfera judicial comprovou a ineficácia do Confaz, desde seus primeiros anos, como foro de articulação e disciplina das políticas tributárias dos Estados. O STF considerou ilegais 23 leis de seis Estados, mas as deci­sões foram em alguns casos de­moradas e, além disso, os go­vernos encontraram meios de contorná-las e de restabelecer com pequenas alterações os be­nefícios proibidos.

Eliminar a guerra fiscal foi um dos objetivos centrais de to­dos os projetos de reforma tri­butária apresentados nas duas últimas décadas. Em todos os debates, representantes das re­giões mais interessadas nessa guerra tentaram negociar lon­gos prazos para a extinção dos incentivos ilegais. Como ne­nhuma reforma foi concluída até agora, o assunto continua aberto. Só se avançou na dis­cussão de propostas para altera­ção das alíquotas interesta­duais, uma das formas de neu­tralizar ou reduzir os benefí­cios, e na criação de um "comi­tê de notáveis" para rediscussão do pacto federativo.

O problema decorre, em boa parte, de um risco assumido em 1966-67, quando se decidiu a adoção, no Brasil, do modelo europeu do imposto sobre o va­lor agregado. O Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM, hoje ICMS, por causa da inclusão de serviços) foi insti­tuído como tributo estadual.

Na Europa, impostos seme­lhantes são administrados pelo poder central. Os poderes lo­cais recebem sua parte por meio de repasses. No Brasil, a decisão inicial facilitou a guer­ra tributária e, além disso, pos­sibilitou a existência de 27 legis­lações com importantes dife­renças - um pesadelo para as empresas. A uniformização se­rá um grande desafio em qual­quer reforma decente.

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