Uma refinaria no fogo cruzado

Autor(es): Célia Costa, Chico Otávio,
O Globo - 17/10/2012



Sob risco de desapropriação, Manguinhos deve ICMS e é acusada de práticas questionáveis
A decisão do governador Sérgio Cabral de desapropriar a Refinaria de Manguinhos ocorre em meio a uma queda de braço com a empresa e as distribuidoras do grupo. O estado cobra R$ 675 milhões, entre créditos da ICMS que deixaram de ser recolhidos no prazo e valores já inscritos na dívida ativa nos últimos anos. Enquanto isso, Manguinhos planeja se expandir. No início do mês, assinou um protocolo de intenções com a petrolífera estatal chinesa Sinopec, para um projeto de R$ 1,4 bilhão que prevê a ampliação e a modernização do parque de tancagem.
Cabral publicou ontem o decreto que declara o terreno da Refinaria de Manguinhos de utilidade pública para desapropriação. O plano para o terreno de 500 mil metros quadrados às margens da Avenida Brasil é construir um bairro popular, com apartamentos, escolas, áreas de lazer, postos de saúde e biblioteca.
- Manguinhos não é uma refinaria, é uma ex-refinaria. Não chegar a ter mil funcionários e não investe tanto quanto divulga. É apenas um estocador de combustível - disse o governador.
Manguinhos voltou a refinar petróleo em 2010, dois anos depois de ter sido comprada da família Peixoto de Castro pelo grupo Andrade Magro. Hoje, porém, responde por uma quantidade ínfima do mercado: apenas 0,6% do refino nacional. Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP), processou 2,7 milhões de barris entre janeiro e agosto deste ano, principalmente para a produção de gasolina. No Brasil, no mesmo período, foram processados 467,8 milhões de barris.
- A eventual desapropriação não afeta nem positivamente nem negativamente. Podemos viver muito bem sem Manguinhos - disse ontem a presidente da Petrobras, Graça Foster, em reunião com empresários no Rio.
Procuradoria faz acusações
A Procuradoria Geral do Estado (PGE), em ações movidas contra Manguinhos, vem acusando o grupo de práticas "no mínimo questionáveis", como a simulação do refino de petróleo e o uso de precatórios judiciais para saldar os débitos de ICMS. O objetivo seria reduzir os custos, causando "consequências nefastas e desastrosas para o fisco e para toda a economia estadual". Para Manguinhos, a condição de refinaria garante a possibilidade de comprar gasolina de outra refinaria sem reter o ICMS no destino (substituição tributária). A prática, inclusive, foi investigada pela Polícia Civil do Rio.
Em nota, a Secretaria estadual de Fazenda criticou a política fiscal da empresa. Segundo o órgão, Manguinhos e as empresas a ela relacionadas apresentam arrecadação tributária irrisória em comparação com sua movimentação econômica. De acordo com a nota, a refinaria pagou R$ 119 milhões de ICMS em 2011 e R$ 98 milhões até setembro deste ano. A quase totalidade desses valores se refere à importação de derivados de petróleo. "Note-se que, sem o pagamento dessa importância, a empresa não poderia sequer obter a liberação alfandegária desses insumos, e não há registro de recolhimento da venda do que foi produzido com óleo importado", diz o órgão.
O próprio mercado tem reservas em relação às práticas empresariais de Manguinhos. Relatório preparado pelo setor, entregue semana passada a autoridades estaduais, identificou algumas ações da empresa. Em lugar de processar apenas óleo cru, como ocorre normalmente numa refinaria de petróleo, Manguinhos também produz combustível a partir de derivados adquiridos no mercado: nafta e condensado (parte líquida que é separada no processo de produção de gás natural) de países como Uruguai, Argentina e Venezuela. Isso é feito numa torre de destilação que separa os solventes e outros produtos que não são aproveitados.
Tecnicamente, esse tipo de beneficiamento feito por Manguinhos é suficiente para considerá-la uma refinaria. Mas produzir combustíveis no mercado brasileiro a partir de nafta e condensado não é comum, por ser considerado antieconômico. O dossiê indica ainda que há uma desconfiança do mercado de que Manguinhos estaria adicionando componentes ao condensado ou à nafta, para aproveitá-los como combustíveis. A prática não é ilegal, mas, caso venha a ser confirmada, Manguinhos não poderia ser caracterizada como uma refinaria.
Preços abaixo dos de mercado
O dossiê mostra também que o mercado acredita que a empresa conseguiria vender aos postos produtos por preços mais baixos do que os de outras distribuidoras, justamente por protelar o pagamento de tributos graças a ações judiciais. Os preços oferecidos no mercado por Manguinhos em alguns casos são inferiores aos da Petrobras. Um dos exemplos de como ela se beneficiaria dessa batalha fiscal toma como base os valores que cobra dos revendedores pelo etanol hidratado (álcool). Segundo o dossiê, hoje a empresa é a maior fornecedora de álcool dos postos do estado De janeiro a agosto, Manguinhos teria conseguido oferecer no mercado álcool com preço inferior ao dos concorrentes.
Ontem, O GLOBO constatou, ao analisar o relatório da ANP, que a empresa continua a cobrar preços abaixo dos de mercado. Na semana passada, por exemplo, Manguinhos chegou a vender o litro do álcool por R$ 1,54 a um revendedor em Vila Isabel. No mesmo período, a Petrobras revendeu álcool por R$ 1,93 a um posto na Taquara.
Em entrevista ao "Jornal Nacional", da TV Globo, o presidente de Manguinhos, Paulo Henrique Menezes, defendeu a empresa:
- Somos uma refinaria, sim. Refinamos mais de 350 mil barris por mês. Só este ano já foram 3,8 bilhões de barris - disse o empresário.
De acordo com o Sindicato dos Petroleiros do Rio (Sindipetro), a parceria de Manguinhos com a Sinopec permitiria armazenar petróleo nos tanques para sua posterior exportação. A possível associação com Manguinhos daria à empresa chinesa, a maior do país asiático e uma das maiores do mundo, uma posição estratégica para escoamento do petróleo. Manguinhos fica a poucos quilômetros da Baía de Guanabara.
Já existe, segundo o Sindipetro, um oleoduto que liga a refinaria à baía. Embora em situação precária, por falta de manutenção, o duto já seria meio caminho andado para a exportação de petróleo para China. A Sinopec comprou 40% da filial brasileira da petrolífera espanhola Repsol há dois anos, abrindo caminho para atuar na exploração e produção de petróleo no Brasil. Procuradas, nem Sinopec nem Manguinhos comentaram a existência do acordo divulgado pelo sindicato.

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