O valor do despacho aduaneiro. Vale quanto pesa?

Colunas - Marcos P. Cardoso

Fonte: Portal Comex e Cia

19/11/2012

Em matérias recentes abordamos sobre a atividade profissional do Despachante Aduaneiro (pessoa física), o exercício de sua profissão e a diferença entre este e umaComissária de Despachos (pessoa jurídica). Já abordamos também sobre a sua forma de renumeração (o S.D.A.), o que é, para que serve, a legalidade e legitimidade de sua cobrança, além, ainda, sobre a sua qualificação e capacitação profissional.
Aliás, por falar em qualificação e capacitação profissional, esse tema vem sendo abordado frequentemente pelas autoridades aduaneiras de Itajaí nas recentes reuniões mensais dos intervenientes de comércio exterior. Os órgãos públicos responsáveis pela fiscalização aduaneira, principalmente os da esfera federal, por intermédio de seus chefes de repartição, tem se manifestado muito sobre a capacitação dos Despachantes Aduaneiros que se apresentam em suas repartições para prestarem informações acerca dos despachos de importação e exportação de mercadorias. A falta de qualificação técnica aliada à quantidade de erros no preenchimento de documentos aduaneiros é sem dúvida, a reclamação mais veemente.
É certo que a falta de qualificação profissional não é uma exclusividade desse segmento. Em outros setores, tanto da indústria como do comércio, por exemplo, também encontramos sérios problemas de qualificação, mas como o nosso assunto é o Despachante Aduaneiro, o problema se torna um pouco mais grave, considerando que o exercício dessa profissão requer apenas e tão somente a formação de nível médio de escolaridade (inciso V, § 1° do art. 810 do Decreto n° 6.759/09).
Analisando por esse aspecto, é um contra senso das autoridades aduaneiras cobrarem maior capacitação profissional dos Despachantes Aduaneiros se o nível máximo de escolaridade exigido pela própria legislação federal é a formação de nível médio. Nesse aspecto, um estudante com ensino fundamental concluído que cursar o ensino médio em 18 meses por intermédio de supletivo ou, até, por ensino à distância, obtém a conclusão do curso e consequentemente a formação de nível médio, que por meios normais levaria 03 anos. Mas, considerando que o Despachante Aduaneiro é um interveniente no comércio exterior cujo papel tem fundamental importância nos trâmites aduaneiros de importação e de exportação, dada a sua responsabilidade e relevância na interpretação da legislação aduaneira e no preenchimento de documentos e registros de declarações, é justo classificá-lo como um profissional autônomo? Então, se a sua atuação profissional tem fundamental importância, é específica e requer qualificação técnica, não seria mais adequado considerá-lo um profissional liberal?
Vamos, então, analisar a diferença desses conceitos.
Profissional autônomo é todo aquele que exerce sua atividade profissional sem vínculo empregatício, por conta própria e assumindo seus próprios riscos, sendo a prestação de serviços eventual, e não habitual. Geralmente os profissionais autônomos são aqueles que não possuem escolaridade de nível superior. O trabalho autônomo existe quando há inteira liberdade de ação, ou seja, quando o trabalhador atua como patrão de si mesmo, com poderes jurídicos de organização própria, sem cumprimento de horário, subordinação e dependência econômica em relação ao seu contratante. Caso o autônomo venha a prestar serviços na condição real de trabalhador autônomo não há de se falar em direitos trabalhistas (CLT).
Exemplos de profissional autônomo: taxista, pedreiro, eletricista, encanador, representante comercial, barbeiro, costureiro, motorista, etc.
Profissional liberal é todo aquele que desenvolve atividade específica de serviços, com independência técnica, com qualificação, adquiridas por intermédio de escolaridade de nível superior completo e habilitação determinada por Lei, ou seja, profissionais pertencentes a categorias diferenciadas, regidos por estatuto próprio, legislação específica, inserindo-os no conceito de profissões regulamentadas geralmente vinculadas a órgão regulamentador.
Exemplos de profissional liberal: Administrador (vinculados ao CRA - Conselho Regional de Administração); Advogado (vinculados a OAB - Ordem dos Advogados do Brasil); Contador (vinculados ao CRC - Conselho Regional de Contabilidade); Engenheiros e Arquitetos (vinculados ao CREA - Conselho Regional de Engenheiros e Arquitetos).
O Ministério do Trabalho assim define o profissional liberal:
“Os profissionais liberais são profissionais pertencentes a categorias diferenciadas regidas por estatuto próprio, ou seja, legislação específica, inserindo-se no conceito de profissões regulamentadas”.
Assim sendo, podemos concluir que estamos mesmo diante de um dilema que ainda está longe de ser resolvido, pelo menos é o que parece. No entanto já tivemos mudanças significativas com a recente publicação da IN-RFB n° 1.209/11 que estabelece requisitos e procedimentos para o exercício das profissões de Despachante Aduaneiro e de Ajudante de Despachante Aduaneiro. Mas é o art. 4° desta IN que traz a mudança positiva, que dispõe sobre o exame de qualificação técnica (inciso VI, § 1° do art. 810 de Decreto n° 6.759/09) que vai efetuar a avaliação da capacidade profissional do Ajudante de Despachante Aduaneiro aprovando-o para o exercício da profissão de Despachante Aduaneiro.
Entendemos como bastante positivo este primeiro passo, mas não será o suficiente se não buscarmos por mais mudanças. É certo que cada profissional que se tornar um Despachante Aduaneiro após sua aprovação no exame de qualificação da Receita Federal tem o dever de se manter atualizado, em estudo contínuo, aperfeiçoando-se constantemente. De qualquer forma, a nossa opinião é de que a conclusão do ensino de nível superior nos cursos de comércio exterior e logística, preferencialmente, deveria ser a condição “sine qua non[1]” à obtenção do registro profissional e o exercício da profissão de Despachante Aduaneiro.
De fato esse fator tem pesado bastante na formação do valor do serviço prestado com o despacho aduaneiro. A cada dia que passa esse valor está cada vez mais baixo e em alguns casos vem se tornando simples moeda de troca de favores. Algumas práticas diárias, rotineiras, no entanto simples, no preenchimento de documentos e declarações aduaneiras no SISCOMEX acabam “formando” esses profissionais que, de forma ilusória, entendem que isso basta, ou melhor, que é plenamente suficiente para atuar no mercado de trabalho oferecendo o serviço de despacho aduaneiro, mas quando se deparam com situações adversas, menos comuns e pouco habituais do que um simples despacho, encontram muitas dificuldades por desconhecerem a legislação pertinente e recorrem aos profissionais dos setores públicos responsáveis pela fiscalização aduaneira para buscarem a orientação necessária, inclusive de como preencher formulários, documentos, petições e até para elaborar um requerimento, por exemplo. São profissionais que sabem executar apenas o básico e é justamente daí que surgem as reclamações desses servidores, que alegam não estarem ali para ENSINAR e isso acaba sendo motivo de piada entre eles.
Muito comum nos cursos de aperfeiçoamento e capacitação técnica, os professores, alguns deles Auditores Fiscais, contarem que o motivo da piada interna, em alguns casos, é o conteúdo das petições protocoladas, dizendo que o Despachante Aduaneiro apenas “se comunicou”.
Mas lamentavelmente o mercado contratante desse serviço, que não é testemunha ocular do que ocorre nos limites da aduana, no seu dia a dia, se prevalece da situação e condiciona o preço baixo cobrado por estes “profissionais básicos” à oferta de serviço, agindo mais ou menos assim: “eu tenho serviço e se você quiser trabalhar pra mim pago tanto, se não quiser tem quem faça por esse preço”. Em muitas situações, o bom profissional, pressionado e necessitando do serviço, aceita a condição e essa situação acaba regulando o nível de valor do serviço e consequentemente levando os bons profissionais, os capacitados, a se sujeitarem a tal situação, conduzindo-os a “vala comum” dos iguais.
O mercado, por sua vez, de forma cômoda, busca sempre no Despachante Aduaneiro; aquele a quem confiou o nome de sua empresa, por intermédio de outorga de poderes específicos em procuração, vinculando CPF ao seu CNPJ no RADAR para agir em seu nome como seu representante legal; a redução de seus custos, mas a grande maioria deles, não se dá conta que o valor pago pela prestação do serviço de seu Despachante Aduaneiro pouco impacta nos custos finais de seu produto, seja este de importação ou de exportação.
Fazendo uma simples analogia, os valores pagos a um Despachante Aduaneiro pela prestação de seus serviços, por melhor que fosse essa remuneração, a mesma não entra para a formação da base de cálculo do valor aduaneiro na importação. Em contrapartida, se ficassem mais atentos e preocupados com os aumentos constantes de frete e THC, por exemplo, conseguiriam uma redução bastante significativa nos valores finais de seus produtos importados, uma vez que, tanto frete como THC são valores que compõem o valor aduaneiro, refletindo diretamente no pagamento:
  1. dos tributos incidentes na importação: II, IPI, PIS/PASEP, COFINS e ICMS;
  2. do AFRMM;
  3. do valor da armazenagem cuja tabela geralmente é calculada com base em percentuais sobre o valor aduaneiro;
Constantemente as tabelas de armazenagem e os valores de frete, THC, liberação de BL, desconsolidação e outras tantas taxas são reajustadas pelos recintos e transportadores e o mercado não se manifesta e aceita, mas, em contrapartida, quando seu prestador de serviço cogita o reajuste nos valores de seus serviços, repudia e torna a fazer a ameaça: “não aceito, se não quiser, tem quem faça...”.
E como conservar os valores sempre constantes, nos mesmos patamares por tanto tempo, sem reajustes, se para manterem suas estruturas de atendimento os Despachantes Aduaneiros, por intermédio de suas Comissárias de Despacho, contabilizam aumentos anuais com salários, energia elétrica, telefone, combustível, entre outros? E o que dizer, ainda, dos valores cobrados no despacho aduaneiro de exportação de R$ 45,00 por container ou R$ 80,00 por DDE e pior, daqueles que trocam reserva de praça pelo serviço, ou seja, de graça? Exportadores que condicionam a entrega do serviço ao adiantamento de despesas pelo Despachante Aduaneiro como THC, taxa de liberação de BL, posicionamento e pesagem de contêineres, enfim, de despesas portuárias para ressarcimento, juntamente com seus honorários, em até 15 dias após recebida a prestação de contas? E na importação, onde a responsabilidade é muito maior, chegamos também em patamares de R$ 250,00 por DI, enquanto que o valor mínimo de uma infração, de natureza administrativa, aplicada pela RFB é de R$ 500,00?
Está passando da hora em que os Despachantes Aduaneiros, mais conscientes de suas responsabilidades valorizem sua profissão e com o apoio de seus Sindicatos Estaduais e da Federação Nacional busquem ações para uma mudança do cenário atual, se não, seremos o verdadeiro “Professor Raimundo” do comércio exterior.
Autor: Marcos P. Cardoso.
Bacharel no curso de Comércio Exterior, graduado pela UNIVALI – Universidade do Vale do Itajaí de Itajaí – Santa Catarina.
Despachante Aduaneiro e profissional com mais de 22 anos de atuação e experiência no comércio exterior.


[1]Sine qua non ou conditio sine qua non é uma expressão que originou-se do termo legal em latim que pode ser traduzido como “sem a/o qual não pode deixar de ser” (fonte: Wikipédia).
Dicionário da língua portuguesa: indispensável, essencial.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe aqui o seu comentário, muito obrigado pela sua visita!