ARGENTINA VOLTA A REPRESAR AS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS

VOLTA DE BARREIRA ARGENTINA REACENDE ALERTA NA INDÚSTRIA
Autor(es): Por Daniel Rittner | De Brasília
Valor Econômico - 26/08/2013

Pelo menos 350 mil pares de sapatos, tênis e sandálias estão prontos em fábricas brasileiras e já tiveram suas vendas fechadas à Argentina, mas não podem atravessar a fronteira por falta da declaração prévia. Esse documento é uma burocracia imposta pela Casa Rosada para administrar o comércio exterior. Funciona como pilar do esquema "uno por uno" criado pelo poderoso secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, pelo qual empresas argentinas só podem gastar um dólar em produtos importados se assumirem o compromisso de exportar outro dólar.

A dificuldade enfrentada pela indústria de calçados reacendeu uma luz de alerta nas exportações à Argentina. "Voltamos a sentir pressões do governo argentino nos últimos 30 a 40 dias", diz Heitor Klein, presidente da Abicalçados, associação que representa os produtores brasileiros. O secretário de comércio exterior do Ministério do Desenvolvimento, Daniel Godinho, confirma que alguns setores industriais começaram a relatar dificuldades novamente em exportar para a Argentina. Mas Godinho prefere enfatizar o fato de que neste ano tem havido crescimento do comércio entre os dois países. De janeiro a julho, as exportações brasileiras ao país vizinho aumentaram 8,3%. No sentido inverso, as vendas argentinas tiveram alta de 18,2%.

A indústria de calçados acaba de reacender um sinal de alerta em suas exportações à Argentina: pelo menos 350 mil pares de sapatos, tênis e sandálias estão prontos em fábricas brasileiras e já tiveram suas vendas fechadas ao país vizinho, mas não podem cruzar a fronteira por falta da declaração prévia que foi imposta pela Casa Rosada como forma de administrar o comércio exterior.

A declaração funciona como pilar do esquema "uno por uno" criado pelo secretário de Comércio Interior, Guillermo Moreno, no qual empresas argentinas só podem trazer um dólar em produtos importados com o compromisso de exportar outro dólar. Ela é conhecida como "Djai" - sigla para declaração juramentada antecipada prévia.

"Desde outubro do ano passado, vínhamos observando maior previsibilidade no comércio com a Argentina, mas voltamos a sentir pressões do governo argentino nos últimos 30 a 40 dias", diz Heitor Klein, presidente da Abicalçados, associação que representa os produtores brasileiros.

Embora as restrições sejam de menor intensidade do que antes, segundo Klein, elas se somam a um mercado já em desaceleração e compõem um quadro negativo: a estimativa da Abicalçados é que as exportações à Argentina atinjam sete milhões de pares neste ano - 30% a menos do que em 2012. Em meados da década de 1990, os embarques ficavam em torno de 20 milhões de pares.

O secretário de comércio exterior do Ministério do Desenvolvimento, Daniel Godinho, confirma que alguns setores da indústrias começaram a relatar dificuldades novamente em exportar para a Argentina. "As reclamações haviam diminuído, mas continuaram acontecendo e agora voltaram a aumentar", afirma.

Godinho prefere enfatizar, no entanto, o fato de que o comércio entre os dois países tem crescido neste ano. De janeiro a julho, segundo estatísticas do ministério, as exportações brasileiras à Argentina aumentaram 8,3%. No sentido inverso, as vendas argentinas ao Brasil tiveram expansão de 18,2%. "Até agora, o ano foi positivo e o comércio bilateral flui bem", destaca o secretário.

Na semana passada, funcionários do Ministério do Desenvolvimento e do Itamaraty receberam um relato detalhado da situação política e econômica do país vizinho: Dante Sica, ex-secretário de Indústria e hoje diretor da consultoria portenha Abeceb, mostrou pessoalmente às autoridades brasileiras um diagnóstico de 73 páginas sobre a Argentina.

A estratégia brasileira deve ser de "controle de danos" no comércio com a Argentina, segundo o consultor, sem a expectativa de recuperação do espaço perdido no mercado local. "Nos próximos dois anos, o governo da presidente Cristina Kirchner não tem como retirar ou aliviar as restrições comerciais", resume Sica.

O problema está no fato de que as portas do mercado internacional continuam fechadas à Argentina, impedindo a Casa Rosada de tapar o buraco das contas externas com financiamento ou investimentos diretos estrangeiros. Por isso, o país precisa de um superávit comercial perto de US$ 10 bilhões por ano para não entrar em um "abismo" cambial, que só é alcançado com a imposição de travas às importações.

Sica veio a Brasília - depois de uma escala na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) - com números contundentes na bagagem: a participação dos produtos brasileiros no total das importações argentinas desabou, em 19 de 21 setores pesquisados, nos últimos dez anos.

A comparação foi feita entre 2003 e o primeiro semestre de 2013. Em todos esses setores, houve forte avanço de mercadorias chinesas no mercado argentino, caracterizando desvio de comércio. Um dos casos mais dramáticos ocorreu na indústria têxtil e de confecções: a participação dos produtos brasileiros, em dez anos, diminuiu de 56% para 23%. Enquanto isso, a China elevou sua fatia de 2% para 31%.

"Esse é o nosso maior inconformismo", diz Heitor Klein, da Abicalçados. O discurso do empresariado, que antes cobrava uma posição mais firme das autoridades brasileiras com o parceiro do Mercosul, foi vencido pela percepção de que restou apenas a alternativa de "controlar danos" sugerida pela Abeceb.

"Não podemos pedir do governo brasileiro mais do que ele já está fazendo", diz o coordenador da área internacional da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), Domingos Mosca. "A verdade é que a Argentina está à beira de um colapso cambial. As reservas mantidas pelo Banco Central, de US$ 35 bilhões, não cobrem nem seis meses de importações. Só resta a opção de administrar o comércio de forma absolutamente imprevisível", avalia.

A perda de competitividade da indústria nacional certamente influi no retrocesso dos produtos brasileiros no mercado argentino, segundo reconhece Dante Sica, mas ele ressalta que aparentemente tem havido maior tolerância da Casa Rosada com mercadorias chinesas. O ponto de inflexão parece ter sido um mal-estar, em 2010, entre a Argentina e a China. Os asiáticos alegaram problemas técnicos para suspender, por sete meses, as compras do óleo de soja argentino. Isso gerava um prejuízo potencial de US$ 2 bilhões ao país. Nos bastidores, comentava-se que era uma retaliação de Pequim à avalanche de barreiras comerciais adotadas por Buenos Aires. Desde que a suspensão ao óleo foi retirada, a Argentina não impôs mais nenhuma medida antidumping a produtos chineses, comenta o ex-secretário Sica. "Ficou a impressão de que houve um acordo informal entre os dois países."

Mesmo com todas as barreiras, a Argentina continua sendo o principal mercado para manufaturados brasileiros. Neste ano, a previsão da Abeceb é de um saldo bilateral de US$ 1,5 bilhão, a favor do Brasil. Há chances de que o superávit brasileiro fique no nível mais baixo desde 2003.