Impasse sobre remédio para emagrecer

Autor(es): Agência O globo: Evandro Éboli
O Globo - 24/02/2011

Impasse sobre inibidor de apetite

Médicos defendem droga banida nos EUA, e Anvisa adia decisão de proibição

Numa audiência pública que durou cerca de quatro horas, médicos, farmacêuticos e até um representante do Ministério Público se uniram ontem para tentar barrar a resolução da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de proibir a venda, no país, de sibutramina e de outros três inibidores de apetite - substâncias já banidas nos Estados Unidos e na Europa.


Dirigentes da Anvisa, porém, continuam defendendo a posição de que essas substâncias são um risco à saúde. Os três anorexígenos anfetamínicos na mira da agência são a anfrepamona, o femproporex e o mazindol. Mas, diante da pressão, a Anvisa adiou a edição da medida. Na semana passada, a agência havia previsto edição da resolução no início de março. Ontem, já não falava mais em prazo. Ou seja, agora não há data marcada para a diretoria colegiada do órgão se reunir e discutir o assunto.

A indicação da Anvisa de cancelar os registros desses remédios é baseada em estudos internacionais e em parecer da Câmara Técnica de Medicamentos (Cateme), instância consultiva da agência. Um estudo publicado na "New England Journal of Medicine", que acompanhou dez mil pacientes em 16 países, revelou que houve um aumento de 16% do risco de complicações cardiovasculares entre os usuários da sibutramina. Por conta desses resultados, a substância foi banida nos EUA e na Europa.

Policiais armados na audiência

Uma nota técnica da área de Farmacovigilância e da Gerência de Medicamentos da Anvisa concluiu ainda que a sibutramina não seria muito eficaz na redução e manutenção do peso a longo prazo. Segundo especialistas, pessoas que fazem dieta, se exercitam e tomam o remédio alcançariam uma perda de peso média equivalente a 5% a 6% de sua massa corporal. Sem o uso da droga, a perda seria de 3%. Alguns estudos indicam ainda que 20% das pessoas não respondem ao remédio.

Ainda assim, representantes das mais diversas entidades médicas do país se manifestaram ontem contrários à proibição. A principal alegação dos especialistas é de que a proibição deixaria sem opção de tratamento pacientes obesos, que, por sua condição, enfrentam riscos muito maiores do que os oferecidos pela substância.

A audiência começou com momento constrangedor. Um grupo de agentes da Polícia Federal, armados até com fuzis, faziam a segurança, circulando pelo auditório. Logo na abertura do debate, o presidente em exercício da Anvisa, Dirceu Barbano, explicou que a presença dos agentes era em função de ameaças recebidas. E pediu desculpas aos presentes.

- É para garantir a tranquilidade. Precisávamos tomar providências. Agimos preventivamente. Peço mil desculpas. Sei que, num primeiro momento, incomoda, mas peço a compreensão de todos - explicou Barbano.

A PF chegou a cogitar que o diretor usasse colete à prova de balas na sessão.

Os técnicos da Anvisa tiveram 40 minutos para expor os argumentos contrários à manutenção das substâncias no mercado. As entidades médicas e farmacêuticas tiveram dez minutos cada. A presidente da Associação Nacional dos Farmacêuticos Magistrais (de manipulação), Maria do Carmo Garcez, criticou a disposição da Anvisa e disse que os remédios fazem menos mal que alguns exercícios físicos.

- São medicamentos que estão no mercado há mais de 50 anos. Tem mais gente morrendo em cima de uma esteira do que com o tratamento - disse Maria do Carmo.

O pediatra e toxicologista Anthony Wong, que faz parte da Cateme, rebateu Maria do Carmo:

- Foi uma declaração infeliz. É mais fácil morrer na esteira se estiver tomando esses remédios

Quando o debate foi aberto ao público, prevaleceram manifestações de médicos, boa parte da Sociedade Brasileira de Endocrinologia, e farmacêuticos. Dos 19 participantes que usaram a palavra, 16 atacaram a pretensão da Anvisa de banir esses remédios. O primeiro a se manifestar foi um promotor do Distrito Federal, Diaulas Ribeiro, que criticou duramente a Anvisa.

- Não cabe à Anvisa se meter na relação médico-paciente. É preciso respeitar a autonomia do paciente. Ser gordo é dramático. O único gordo voluntário que conheço é o lutador de sumô (luta tradicional japonesa). E espero que essa audiência não sirva para legitimar uma decisão arbitrariamente já tomada pela Anvisa. Proibir esses remédios é prematuro - disse Ribeiro.

Para o presidente da Associação Brasileira de Nutrologia (Abran), Durval Ribas, é preciso compreender o obeso. Ele disse que já atendeu mais de 25 mil pacientes e deu "graças a Deus" por não ser obeso.

- Proibir esses medicamentos é derrubar o arbusto e fazer com que o obeso caia no precipício. Em 6 a 8 anos vamos nos tornar o país com maior número de obesos - alertou Ribas.

Número de obesos cresce no país

O vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Desiré Callegari, também condenou a Anvisa.

- A proibição vai desproteger o obeso, apontado como um glutão, inativo. Obesidade é problema de saúde pública. Que alternativa a Anvisa deixa no mercado?

Números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, a despeito da comercialização livre do remédio, o número de obesos só faz crescer no país: de 11,4%, em 2006, para 13,9% em 2009. No mesmo período, o percentual da população acima do peso passou de 42,7% para 49,6%.

A Anvisa anunciou que vai analisar as considerações feitas. Dirceu Barbano disse que ainda não há data para se fazer essa avaliação:

- Vamos consolidar e analisar as contribuições e abordar o assunto nas próximas reuniões.