O alerta que vem do petróleo

O Globo - 24/02/2011

A enorme dependência do mundo em relação ao petróleo, uma história escrita no século passado, e a fatalidade geológica pela qual o maior conjunto das reservas mundiais do combustível está localizado numa região das mais instáveis politicamente transformaram esta fonte fóssil de energia em mensageira de más notícias.


Toda vez que, por algum motivo, o petróleo encarece de forma abrupta, e os novos preços se mantêm por algum tempo, a economia mundial sofre. Foi assim no choque do petróleo de 1973, deflagrado pela guerra do Yom Kippur, em que Síria e Egito atacaram Israel, mas perderam a guerra e territórios. Em represália, a Opep, órgão dos países exportações de petróleo, remarcou as cotações do barril nas nuvens. Seis anos depois, nas convulsões que tomaram conta do Golfo Pérsico com a queda do Xá, no Irã, a consequente chegada ao poder dos aiatolás, e, logo depois, a guerra entre Irã e Iraque, novamente os preços dispararam.

Nos dois momentos, houve retração da economia mundial, desemprego e inflação - no primeiro choque, lançou-se o termo "estagflação" para designar a até então estranha mistura de retração econômica com alta de preços, movimentos em si contraditórios. Na esteira dos reflexos do segundo choque, os Estados Unidos, para debelar uma inflação de dois dígitos, praticaram um outro tipo de choque: de juros, o que levou países endividados em dólar, como o Brasil, a quebrarem.

Sem querer estabelecer uma comparação linear com o passado, cabe alertar para os riscos decorrentes da atual crise em países árabes, com reflexos nos persas do Irã. O centro das preocupações, por enquanto, está na Líbia, dona de apenas 2% da produção mundial de petróleo e gás, mas fornecedora estratégica de parte da Europa. Ontem, a produção líbia caiu pela metade, e os preços do petróleo chegaram a US$100 no mercado americano, algo que não acontecia desde 2008. Contratos a futuro de óleo do Mar do Norte chegaram a US$111.

A experiência recomenda cautela. O Brasil, no momento em que prepara cortes em busca de uma posição fiscal menos vulnerável, e também como forma de conter um surto de inflação, deve levar ainda mais a sério este ajuste. Quando a liquidez mundial secou, no final de 2008, na explosão da bolha imobiliária nos EUA, viu-se a importância de se ter bons fundamentos econômicos.

Hoje, os analistas acompanham com atenção o quadro fiscal brasileiro. Se não houver certeza do bom encaminhamento da questão, o país pode enfrentar mais problemas na eventualidade de ocorrer um agravamento ainda maior da crise no Norte da África e no Oriente Médio.

Em recente artigo na "Folha de S.Paulo", o ex-diretor do Banco Central e economista-chefe do Santander no Brasil, Alexandre Schwartsman, além de criticar a "criatividade contábil" do governo, na conversão de despesas em receitas nas contas públicas, lançou fundadas suspeitas de que o corte anunciado de R$50 bilhões nada significará. Seu argumento: como este corte é aplicado sobre o Orçamento de 2011, de R$769 bilhões, e os gastos efetivos em 2010 foram de R$657 bilhões, no final das contas haverá um acréscimo nas despesas de R$62 bilhões.

Críticas como esta devem levar Brasília a agir com toda a transparência nos cortes. A conjuntura mundial não permite dúvidas.