Brasil resiste no G-20 a crítica ao acúmulo de reservas

Autor(es): Assis Moreira | De Paris
Valor Econômico - 17/02/2011

Brasil, China e vários emergentes resistem no G-20 ao uso das reservas internacionais como um indicador para sinalizar desequilíbrios, o que poderia levar os países a adotar medidas para reequilibrar seu crescimento econômico.

O Valor apurou que a preocupação do Brasil e de outros emergentes é que esse tipo de indicador abra caminho para o Fundo Monetário Internacional (FMI) tentar estabelecer depois qual seria o valor adequado de reservas.

O debate no G-20 ocorre uma semana após auditoria independente no FMI ter mostrado que vários emergentes tiveram a impressão, durante a crise global, de que o Fundo os empurrava a reduzir o ritmo de acumulação de reservas "excessivas". Para alguns deles, o Fundo cedia às pressões políticas de países ricos para corrigir os desequilíbrios mundiais de uma maneira mais adequada a seus interesses nacionais.

O diretor-executivo do Brasil e mais oito países no FMI, Paulo Nogueira Batista Jr., confirmou que, como testemunha das discussões de missões do FMI no Brasil, em 2007 e 2008, "é correto o que o relatório diz sobre essa percepção" entre funcionários do país.

Emergentes expandiram suas reservas de 4% do PIB global, em 1990, para mais de 20%, em média, atualmente. As reservas servem de precaução contra saídas abruptas de capital. Servem também para fornecer liquidez às instituições financeiras nacionais. São usadas como instrumentos para estabilidade financeira interna e externa.

Segundo a França, que ocupa a presidência rotativa do G-20, o montante total de reservas (excluindo ouro), ao final de 2009, alcançou US$ 9,247 trilhões, numa alta de 162% desde fins de 2004. Os emergentes detêm mais de 75% das reservas cambiais mundiais. A China, com US$ 2,847 trilhões, detém 31% do total; o Japão, 11%; a Arábia Saudita e a Rússia, 5%. O Brasil tem 3% do total.

No G-20, o Banco Central Europeu (BCE), os Estados Unidos e a Alemanha são os que mais defendem redução da acumulação de reservas, o que é visto como uma maneira de fazer países como a China apreciarem mais rapidamente sua moeda e importar mais, ao invés de poupar no ritmo atual.

Mas também a Coreia do Sul, Indonésia e Argentina estão com o Brasil e a China. A situação brasileira, em todo caso, é considerada mais confortável. As reservas de US$ 300 bilhões em proporção do PIB são consideradas normais. Uma fonte europeia contou que volumes altos no Brasil podem ser justificados por causa do fluxo de capitais.

A França, por seu lado, insiste que os desequilíbrios macroeconômicos estão aumentando. Exemplifica que entre 1998 e 2007, a soma de déficits e excedentes dos países do G-20 passou de US$ 540 bilhões (2,3% do PIB do grupo) para US$ 2,5 trilhões (5,6% do PIB). Em proporção de riqueza mundial, os desequilíbrios de balança de pagamentos foram multiplicados por dois.

Outro exemplo é o fluxo de capitais "instáveis". A crise de 2008-2009 causou uma diminuição de entradas líquidas de capitais de US$ 1,150 trilhão nos emergentes. A saída de capital durante a crise alcançou US$ 45 bilhões no Brasil, US$ 262 bilhões na China e US$ 270 bilhões na Rússia. Pelo menos 26 episódios de parada brutal de fluxos de capital foram identificados desde 2008.

Os franceses sugerem entendimentos para favorecer fluxos de capitais estáveis e "gestão mais cooperativa" das reservas internacionais. A Alemanha se juntou ontem ao esforço da França para arrancar até sábado indicadores mesmo genéricos para identificar os desequilíbrios numa economia.

Uma barganha está em curso, para conciliar interesses da China e Alemanha, os países com maiores superávits comerciais, e os Estados Unidos, com o maior déficit, por indicadores ditos qualitativos, portanto, sem objetivos quantitativos para países individuais. Reduz bastante o exercício e facilita para a China engolir o entendimento. "Mas está tudo em aberto", insistiu um negociador, lembrando que tanto as reservas como as contas correntes continuam causando polêmica no G-20.