'O Brasil não se preparou para o fim do tsunami cambial', diz Garcia

Autor(es): Por Lucinda Pinto | De São Paulo
Valor Econômico - 20/06/2013

O Brasil não se preparou para o fim do "tsunami cambial", sinalizado pelo Federal Reserve, e terá de conviver com um cenário de crescimento fraco, câmbio desvalorizado e juros mais altos nos próximos anos. Essa é a visão do economista Marcio Garcia, professor licenciado da PUC-Rio e pesquisador visitante da Sloan School-MIT e NBER. Ele não crê numa crise com fuga de capital.
Valor: Qual foi o sinal emitido pelo Federal Reserve?
Marcio Garcia: A intenção foi colocar um pouco de água na fervura após as declarações de maio sobre a acomodação das compras [de ativos pelo Fed]. Foi claro que tudo depende de os resultados da economia continuarem a melhorar. A maioria dos membros espera que se comece a diminuir as compras este ano, continue diminuindo no ano que vem, mas só vá subir juros em 2015. Entendo que a intenção foi dizer: vamos com calma, não vou começar a mexer com juros.

Valor: De todo modo, existe a perspectiva de uma mudança de política monetária nos EUA. De que maneira isso vai afetar o Brasil?
Garcia: O dinheiro que estava entrando de uma forma muito intensa não vai entrar da mesma forma. Não deve ser uma crise, mas será uma conjuntura mais difícil do que se viu entre 2003 e 2008. Nessa situação, o Brasil precisa melhorar seus fundamentos macro e microeconômicos para melhorar a produtividade e a competitividade. Caso contrário, não vai poder explorar todo o potencial da economia. A gente não vai ter tanta ajuda de fora como teve antes. Não será algo parecido com o que se viu no governo Fernando Henrique, que viveu uma sucessão de crises, quase todo ano com saída de capital. Mas essas coisas mudam se não se seguir as políticas corretas.
Valor: E quais são os pontos mais urgentes a serem corrigidos?
Garcia: O principal é a deterioração fiscal que vem ocorrendo de forma inequívoca há muitos anos. Os truques contábeis para mascarar essa situação levaram à perda de credibilidade do governo. É preciso que haja um choque de credibilidade. Agora, isso é praticamente impossível de acontecer porque tudo o que se vê é o contrário, principalmente partindo da presidente. Na parte monetária, a perda de credibilidade não foi tão intensa, mas é preciso reforçá-la. Tudo isso sem falar nas reformas estruturais. Mas confesso que não estou otimista porque não vejo o núcleo duro do governo ter uma visão de que isso é necessário.
Valor: Mas que tipo de sinal poderia convencer o mercado neste momento?
Garcia: O que o governo Lula fez quando assumiu? Pegou a meta do governo anterior, elevou e cumpriu. Então, a primeira coisa é colocar metas de superávit primário ou nominal, mas cumprir mesmo. Quer fazer investimento, faz corte no gasto corrente. E também parar com as operações parafiscais. Põe um limite na dívida bruta, que não pode aumentar em proporção ao PIB. E não passa mais dinheiro para banco público, que tem que viver com o que tem. Mas a probabilidade de isso ser feito é próxima de zero por causa dos condicionantes políticos e pela forma como a cúpula do governo vê o funcionamento da economia. Eles acham que, quanto mais gasto fiscal tiver, mais crescimento terá.
Valor: A que vamos assistir nos próximos meses, considerando que há uma mudança de política monetária americana no horizonte?
Garcia: Vamos ver a perda de dinamismo do país, possivelmente um câmbio mais depreciado do que o atual. E, se o BC fizer o dever de casa, uma taxa de juros mais alta. Para colocar a inflação na meta, é preciso taxas maiores de juro real, e o Brasil crescendo muito menos do que poderia se tivéssemos as políticas certas.
Valor: Mas o que diferenciará esse quadro que o senhor enxerga de uma crise?
Garcia: Uma crise envolve uma depreciação cambial extremamente elevada, como foi em 2002, quando o dólar estava em R$ 2 e chegou a R$ 4. E uma queda substancial do PIB, que pode ter taxa negativa, com uma contração grande do crédito. Esse tipo de cenário não teremos agora.
Valor: O balanço de pagamentos será um ponto de vulnerabilidade?
Garcia: Claro, já temos um déficit em conta corrente na faixa de 3%, com uma taxa de investimento baixa. Então, se por acaso a gente começar a crescer mais, isso exigirá taxas de investimentos maiores, que por sua vez farão com que o déficit em transações correntes cresça ainda mais. Mas, se o cenário for de certa estagnação, que parece ser o mais provável, o investimento continuará baixo e esse problema do déficit de transações correntes não será tão acentuado. Mas eu preferia ter o problema do investimento subindo.
Valor: O senhor falou que será preciso subir os juros. Qual é a sua previsão?
Garcia: Acho que precisaria ter mais três aumentos da Selic, na faixa de 0,50. Com isso, a taxa chegaria a 9,5%.
Valor: O Brasil não soube se preparar para o fim do "tsunami cambial"?
Garcia: O Brasil apenas surfou a onda boa e não fez absolutamente nada para se preparar. Desde 2005, não houve qualquer reforma estrutural. Ficou vivendo da boa vida que a China causou para os preços de commodities. Isso um dia ia acabar, todo mundo sabia.
Valor: Esse quadro pode ter influência sobre o resultado das eleições presidenciais em 2014?
Garcia: Claro. O Lula em 2010 cresceu 7,5%. A Dilma, se bobear, não vai crescer a essa taxa nos três primeiros anos.