Davos discute força da moeda chinesa

As incertezas no mundo desenvolvido já fazem os participantes do Fórum Econômico Mundial especular sobre a substituição do dólar como moeda internacional no futuro próximo. O principal economista do HSBC, Stephen King, responsável pelas análises econômicas globais do sexto maior banco do mundo, chegou a prever, em conversa reservada às margens da conferência, a troca do dólar pelo renminbi chinês, em médio prazo, como principal moeda de intercâmbio em regiões como a América Latina, partes da África e Oriente Médio. Isso se daria devido ao enfraquecimento da moeda americana e à crescente influência chinesa nessas regiões.

"O dólar continuará a ser a número um, mas moeda predominante não quer dizer a única e exclusiva moeda", disse o presidente da França, Nicolas Sarkozy, logo após garantir que "ninguém quer enfraquecer o dólar", no discurso que fez em Davos como presidente do G20, o grupo das maiores economias do mundo. Sarkozy chegou a lamentar que as moedas chinesa e russa não estejam representadas na cesta (conhecida como Direitos Especiais de Saque, ou DES) que serve de referência aos empréstimos do Fundo Monetário Internacional (FMI).

O discurso de Sarkozy repetiu, nesse ponto, o pronunciamento feito na abertura da conferência pelo presidente russo, Dmitri Medvedev, que cobrou do FMI a inclusão de todas as moedas dos chamados Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), na cesta que compõe os DES. No Fórum, que reúne uma parcela importante da elite internacional, já é senso comum falar das perspectivas sombrias da Europa afundada em dívidas e do aumento de peso dos chamados países emergentes nos destinos da economia mundial.

Stephen King (homônimo de outro Stephen King, autor de livros de terror e ficção científica), do HSBC, além de endossar as análises otimistas sobre os países emergentes, fez ontem uma síntese precisa de preocupações que rondam os participantes do Fórum. Ele acusou a política de redução de juros dos Estados Unidos de empurrar o mundo para uma situação "perigosa" e "disruptiva".

Incapaz de estimular investimentos e criação e empregos, o chamado "afrouxamento quantitativo" dos EUA, com a recompra de títulos públicos do país, despeja dinheiro "na parte errada do mundo", disse ele. É o mundo em desenvolvimento que está recebendo estímulos, com pressões inflacionárias sobre os preços, nota o HSBC. "O afrouxamento quantitativo tende a ter um efeito desproporcionalmente alto nas economias emergentes, levando a crescimento da demanda e pressão sobre os preços", disse King, ligando a inflação mundial à estratégia dos EUA para enfrentar a ameaça de recessão.

Parte do aumento de preços internacionais é provocada pelo aumento na demanda de países como a China, e outra, pela busca de ativos reais, como o ouro, como proteção contra o derretimento do dólar, analisa King. Ele considera preocupante o ritmo alcançado pelas pressões inflacionárias.

O tema também foi citado por Sarkozy, que como presidente do G20, tem proposto mecanismos de controle sobre preços das commodities. O francês, falando pelo G20 em Davos, repetiu o alerta feito no início do mês, nos EUA, para o risco de revoltas populares devido à crise na oferta de alimentos. Sarkozy chegou a mencionar os "amigos" Brasil e Índia, que rejeitam suas propostas: os lucros com as exportações agrícolas não duram para sempre porque os preços também caem, argumentou o francês.

Ameaças de levantes populares, de fato fazem parte dos cenários, como o traçado ontem pelo HSBC. Além disso, a inflação provoca medidas nacionais para conter o consumo e ameaça abortar a recuperação econômica, criticou Stephen King. Além de dar fôlego ao aumento dos preços dos produtos básicos - um dos assuntos mais comentados neste ano em Davos -, a política americana prejudica os credores, ao desvalorizar o dólar e, com ele, os papéis da dívida daquele país. Em algum momento, os investidores fugirão do dólar como moeda de reserva, prevê.

"Não haverá imediata substituição do dólar como moeda de troca, mas não é difícil imaginar que em 20, 30 anos, o renminbi ultrapasse do dólar como moeda de reserva", comentou o Stephen King. "Talvez Europa não a use, mas a América Latina, parte da África e Oriente Médio sim, pelas conexões com a economia chinesa." King e outros economistas em Davos mostram preocupação com o futuro do euro, a alternativa tradicional ao dólar como moeda forte mundial.

Outro tema recorrente nas conversas em Davos é a necessidade de uma "união fiscal", com regras severas para credores e devedores dentro da comunidade europeia. Poucos compartilham a visão do financista George Soros, de que essa coordenação já está acontecendo.

As dúvidas sobre o euro levaram Sarkozy, a dedicar ao assunto um dos momentos mais dramáticos de sua participação no Fórum Mundial. Lembrando que a união monetária fez parte do esforço político após um passado de lutas sangrentas entre Alemanha e França, Sarkozy reconheceu que a crise financeira na Europa lançou "dúvidas sobre a capacidade de sobrevivência do euro", mas fez uma enfática defesa da moeda europeia. "Euro é sinônimo de Europa", discursou. "Os que querem apostar contra o euro tomem cuidado; estamos determinados a mostrar sua força."

Fonte: Valor Econômico