Superaquecimento ainda é risco grave

Financial Times

Não é preciso estudar despachos de embaixadas americanas publicados pelo site Wikileaks sobre números do Produto Interno Bruto (PIB) chinês "cozinhados" para perceber que Pequim pode ser propensa a ocasionais erros de arredondamento.

Essa suspeita tende a ser mais forte no período que antecede os fins de ano, quando o país para durante uma semana de feriados. O pacote de dados divulgado na quinta-feira evocou o Santo Graal para planejadores governamentais em toda parte: uma ligeira queda da inflação nos preços ao consumidor, combinada com forte - porém não muito forte -crescimento.

Sem chance. O recuo da inflação, de uma taxa de 5,1% em novembro para 4,6% em dezembro, será provavelmente breve. Mês a mês, a inflação nos preços ao consumidor continua a aumentar, a 0,4%, ao passo que os preços ao produtor tanto para matérias-primas como para bens manufaturados cresceram ainda mais rápido, a 1,5%. Os preços dos alimentos, em alta de quase 10% no ano passado, são um particular ponto de pressão para os consumidores. O índice de vulnerabilidade dos preços dos alimentos à inflação, computado pelo Citigroup - que mescla o peso da alimentação na cesta do IPC com medidas de utilização da capacidade industrial e afrouxamento monetário - coloca a China acima de todos os outros mercados emergentes.

Quanto ao crescimento, também, embora os números plenos (sazonalidade incluída) sugiram uma aceleração apenas branda, de 9,6% para 9,8% do terceiro para o quarto trimestres, isso provavelmente não conta a história inteira. Num despacho que vazou, em 2007, Li Keqiang -então um chefe provincial do partido, agora na linha sucessória para o cargo de primeiro-ministro - confidenciou que preferia avaliar três estatísticas mais difíceis de manipular: consumo de eletricidade, volume de carga ferroviária e empréstimos bancários.

Os dois primeiros estão a todo vapor: o consumo de eletricidade cresceu quase 15% no ano passado, oito pontos percentuais a mais que em 2009, ao passo que o crescimento de 10% no tráfego de mercadorias ao longo dos primeiros 11 meses foi aproximadamente o dobro da média de cinco anos. Os novos empréstimos de 480 bilhões de yuans no mês passado, por seu turno, foram dez vezes superiores a seu nível em dezembro de 2007.

E essa que se apresenta é uma economia, supostamente, em desaquecimento.

Fonte: Valor Econômico