Governo tenta no Congresso fim de guerra fiscal

O assunto é prioridade do governo, confirma o ministro do Desenvolvimento, Fernando Pimentel. E interlocutores recentes da presidente Dilma Rousseff reforçam: ela afirmou que tomará a iniciativa de corrigir "distorções" que estimulam as importações em detrimento da produção nacional - como noticiou Claudia Safatle, recentemente, neste jornal. Dilma decidiu, portanto, acabar com a chamada "guerra dos portos", pela qual certos Estados dão incentivo tributário a importadores que usam suas instalações portuárias. A questão é como fazer isso. O governo optou pela saída mais lenta.

Segundo informações do Ministério da Fazenda, a solução escolhida pelo governo para pôr fim às distorções da "guerra dos portos" será a aprovação de um projeto, do qual é relator o líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), capaz, na opinião dos técnicos, de desmontar o mecanismo pelo qual governos estaduais estão, na prática, subsidiando os compradores de produtos importados beneficiados pelos incentivos de Estados como Santa Catarina, Pernambuco e unidades da Federação com "portos secos", como Mato Grosso e Goiás. O projeto pode ser aprovado com votos de apenas um terço do Senado e sua regulamentação fecharia brechas para fraudes, apostam auxiliares do ministro da Fazenda, Guido Mantega.

Um ex-ministro da Fazenda, Pedro Malan, gostava muito de repetir um chavão, "o diabo está nos detalhes" - talvez pela frequência com que esse tipo de capeta pousava em sua mesa de trabalho. Um bom exemplo do inferno que aguarda as boas intenções do governo está nessa discussão sobre como enfrentar uma esperteza tributária que aprofunda as desigualdades na competição entre produtos nacionais e importados.

Ao deixar o governo, o ex-ministro do Desenvolvimento Miguel Jorge propôs saída diferente para atacar o problema: uma minuta de decreto, encaminhada ao Ministério da Fazenda, capaz de impedir os governos estaduais de continuar concedendo benefícios que tornam a carga tributária de matéria-prima importada menor do que a fabricada no país. Pelo decreto, que teria de ser editado pelo Ministério da Fazenda, a Receita Federal simplesmente barraria nos portos produtos que não apresentassem guia de recolhimento do ICMS igual ao mínimo cobrado nas transações interestaduais.

Pela anarquia hoje vigente, os Estados ignoram a legislação que só permite alíquotas diferenciadas de ICMS quando aprovadas pelo Senado ou pelo Confaz, o conselho de política fazendária composto pelas secretarias estaduais da Fazenda. Por decisão arbitrária, esses Estados concedem redução de ICMS aos produtos importados. E, em outros Estados da federação, os compradores desses importados ainda se creditam do ICMS equivalente à alíquota interestadual, ganhando, na prática um subsídio à importação - como se o dólar barato já não fosse estímulo suficiente para desprezar o similar nacional.

Importadores de Santa Catarina vendem com vantagem produtos estrangeiros a clientes do Rio Grande do Sul, graças a esse esquema, por exemplo. Exatamente por isso, o fim desse incentivo fazia parte das seis reivindicações prioritárias levadas pela Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs) em uma das primeiras audiências do ministro Fernando Pimentel, na semana passada.

O decreto proposto por Miguel Jorge, com apoio de empresários do Conselho Consultivo do Setor Privado (Conex) da Câmara de Comércio Exterior, teria a vantagem de cortar na porta de entrada o esquema de incentivos, ao impedir redução de tributos não autorizada pelo Senado ou pelo Confaz. Mas a Receita Federal teme que a iniciativa seja soterrada por uma avalanche de medidas judiciais, ou contornada por algum esquema inventivo dos governos estaduais. Daí a aposta no projeto relatado por Jucá. O projeto, embora de aprovação mais lenta, seria à prova de liminar por sair do Senado, casa a qual a Constituição atribui poderes de mudança na tributação interestadual.

Pimentel, que herdou de Miguel Jorge a proposta para que saia de um decreto ministerial a solução para a "guerra dos portos", elogia a minuta, diz que é de boa qualidade, mas diz ver também boas razões nas argumentações do Ministério da Fazenda contra a ideia. O tema está em debate, confirma, mas diz que ainda não conversou sobre o assunto com a Fazenda.

Levada ao Congresso, a solução para o problema passa a depender da penosa articulação parlamentar que ocupa e ameaça as primeiras semanas de governo de Dilma Rousseff. E o tutor da proposta, o relator Romero Jucá, já tem seus próprios problemas a superar antes de se dedicar ao tema: desde a semana passada, é alvo do Ministério Público em uma ação da Procuradoria Regional Eleitoral de Roraima, que quer cassá-lo por irregularidades na campanha eleitoral.

Sergio Leo é repórter especial em Brasília e escreve às segundas-feiras.
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Fonte: Valor Econômico