A aposta perigosa do Banco Central

Cristiano Romero
Valor Econômico - 27/04/2011

Há no Brasil uma forte correlação entre taxa básica de juros real (Selic) e demanda agregada. Quando a primeira sobe, a segunda encolhe; quando diminui, a outra expande. A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) de elevar a Selic, na semana passada, em apenas 0,25 ponto percentual representou, na prática, uma redução dos juros. A taxa real hoje é inferior à da reunião anterior do Copom, ocorrida no início de março.

O que importa para a política monetária é o juro real (a taxa Selic nominal, descontada a inflação). Ao fazer suas projeções de inflação, o Banco Central (BC) calcula o juro real exatamente com base nos contratos de juros futuros (swap de 360 dias), deflacionados pelas expectativas de inflação, igualmente para 360 dias e capturadas pelo Boletim Focus.

Dados levantados para esta coluna pela equipe do Valor Data mostram que, entre as duas últimas reuniões do Copom, o juro real ex ante caiu - de 6,88% no dia 2 de março para 6,65% ao ano em 20 de abril, data da derradeira reunião. O juro de hoje é praticamente o mesmo que o do encontro de janeiro do Copom (ver gráfico).

Ao reduzir o passo da política monetária, o BC sanciona essa queda do juro real e, implicitamente, diz que a economia já opera sob a taxa que considera neutra. A taxa neutra é aquela que, em tese, mantém o equilíbrio entre oferta e demanda, com inflação baixa e estável.

Expectativa de inflação piora, mas juro real cai

O impacto da política monetária sobre os preços é proporcional à diferença entre a Selic e a taxa neutra. Se a Selic é fixada abaixo da taxa neutra, a tendência é que a inflação se acelere. Se é colocada acima, deve ocorrer o oposto.

O Banco Central dá indicações de que trabalha hoje com uma taxa neutra menor porque, neste momento, considera que ampliou os instrumentos de atuação, especialmente com o recurso às chamadas medidas macroprudenciais. É um caminho, certamente, mas um caminho excessivamente perigoso para um país que conviveu durante décadas com inflação alta e que tem uma economia ainda repleta de mecanismos de indexação.

As expectativas de inflação para 12 meses à frente seguem em processo contínuo de deterioração. Entre as duas últimas reuniões do Copom, portanto, no espaço de apenas 50 dias, pioraram 0,54 ponto percentual para 2011 e 0,22 p.p. para 2012. No regime de metas, a piora das expectativas pode, por si só, realimentar a inflação.

Em resumo, o quadro é este: enquanto os agentes do mercado acreditam que a inflação será maior neste e no próximo ano, o BC pratica juro real menor para enfrentar o problema. Na ata referente à última reunião do Copom, documento que será divulgado amanhã, o banco terá a oportunidade de explicar suas opções. Sua comunicação anda ziguezagueante: no último Relatório de Inflação, sinalizou que o ciclo de aperto monetário estava próximo do fim; na ata mais recente do Copom, deu a entender que o ajuste pode ser prolongado.

O que se vê é o BC fazendo apostas perigosas. No ano passado, parou de subir os juros na véspera da eleição presidencial, alegando, entre outras razões, que o Brasil importaria deflação do exterior nos meses seguintes. De lá para cá, o preço do petróleo subiu mais de 50% e o CRB (Commodity Research Bureau), índice que mede a variação dos preços das commodities, avançou mais de 35%.

A aposta do BC, agora, é que a economia brasileira passe a crescer abaixo do potencial (estimado em cerca de 4%), com a ajuda da política fiscal do governo, das medidas macroprudenciais e da elevação dos juros já realizada. Os sinais de desaceleração da economia ainda são tênues. As medidas prudenciais têm efeito, mas a tendência do mercado de crédito, num ambiente de economia aquecida, é driblar as restrições a todo custo.

Quanto à política fiscal, é forçoso reconhecer: o governo está no caminho certo. O esforço feito até agora é superior ao prometido. A dúvida é saber se ele será mantido nos próximos meses e se deverá ser suficiente para reduzir a demanda na proporção necessária a esfriar a economia e conter a inflação.

O BC indica, por outro lado, que inércia e expectativas têm pesos menores em suas projeções. Só isso justificaria a aceitação de convivência por período tão longo com inflação de 12 meses perto ou acima do teto de 6,5% (o estouro deve ocorrer já este mês) e com expectativas do mercado em processo permanente de deterioração e divergentes de suas projeções - a rigor, isso ocorre desde agosto do ano passado. Esses dois fatos sustentam a inércia (inflação futura).

Notícias de que o BC estaria mais frouxo por interferência da presidente Dilma Rousseff não se confirmam. Assessores e ministros próximos da presidente desmentem com veemência essa possibilidade. Apesar de todos os desafios que o Brasil enfrenta neste momento, num mundo conturbado e cheio de incertezas, não há dúvida de que a batalha-mãe a ser vencida é a da inflação.

Cristiano Romero é editor-executivo e escreve às quartas-feiras

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