O feito desfeito

Brasil S.A - Antônio Machado
Correio Braziliense - 28/04/2011

Fluxo de crédito cresce forte, com o ingresso de dólar dando gás à banca e à apreciação do real

O ritmo de crescimento do crédito começa a dar sinal de reversão, o primeiro desde dezembro, quando a capacidade de empréstimos dos bancos foi limitada pelo Banco Central sob o enfoque das “medidas macroprudenciais”, mas essa tendência ainda não está consolidada.

Em termos de concessão de crédito, que é a medida relevante para influenciar o nível do consumo na economia, não houve o refluxo dimensionado pela política monetária como necessário para a quebra do ímpeto da inflação, agindo também como um substituto parcial de um arrocho mais severo pela taxa básica de juros, a Selic.

O estoque de crédito cresceu 0,8% em março sobre fevereiro, o que fez reduzir de 46,5% para 46,4% o volume de financiamentos totais como proporção do Produto Interno Bruto (PIB). Por essa medida, as ações de controle do multiplicador do crédito estão indo bem. O BC elevou em dezembro a retenção forçada de depósitos bancários e dos requerimentos de capital no financiamento pessoal e de veículos.

O fluxo de novos financiamentos em março, contudo, cresceu 2,4%, uma alta que se compara com os avanços, mês sobre mês, de 0,3% em fevereiro e de 0,8% em janeiro. Em termos anualizados, a taxa de crescimento das novas concessões de março equivale a 33% — muito acima do ritmo considerado sustentável pelo BC, da ordem de 10% a 15%. E também distante da expansão registrada em 2010, 20,6%.

É possível que a reversão desejada pelo governo esteja começando apenas este mês. Uma prévia do BC cobrindo os primeiros 12 dias de abril indica que a média diária do fluxo de crédito pessoal recuou 5,4% sobre março. Para empresas, a queda foi maior: 8% na margem.

Tais indicadores devem ser vistos com cautela. A banca pública continua com o pé no acelerador, acirrando a competição entre os bancos. Além disso, não se desdenha a inventividade do sistema financeiro para atender a grande demanda das pessoas por crédito.

O economista Sidney Moura Nehme, da corretora NGO, especializada em câmbio, chama a atenção para um dado intrigante: o ingresso de US$ 31 bilhões de empréstimos de curto prazo tomados no exterior por bancos e empresas depois das tais medidas prudenciais adotadas pelo BC. “Por isso, o crédito e o consumo continuam aquecidos, pouco respondendo à elevação das taxas de juros”, Nehme avalia.

Mercado sem amadores
É possível que o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) de 6% sobre tais ingressos tenha fechado esse vazamento das restrições do multiplicador do crédito. Mas a dinâmica do mercado de câmbio, como Nehme argumenta há anos, não é para amadores. Tudo se passa, por exemplo, como se a Fazenda quisesse apreciar o real. É à vera?

Vejamos. O fluxo de ingressos financeiros em abril, até o dia 18, segundo o BC, foi negativo em US$ 440 milhões. O saldo líquido do fluxo comercial, de US$ 573 milhões, salvou o resultado cambial do mês até aquela data de corte, deixando US$ 133 milhões no caixa.

Ainda assim, diz Nehme, o BC comprou no mercado à vista US$ 5,35 bilhões, mais US$ 440 milhões a termo e já liquidados, elevando o total da chamada posição “vendida” dos bancos a US$ 14,5 bilhões.

Quem fica “vendido”
Posição vendida é o jargão que identifica a aposta na valorização do real. A coisa funciona assim: os bancos recorrem a suas linhas de crédito lá fora para internar os dólares captados a custo muito baixo e reaplicá-los no país. Como a variação cambial é o segundo item de custo dessas operações, diz Nehme, a banca busca apreciar o real para comprá-lo na data da liquidação futura dos contratos a preço menor que o vigente na entrada das divisas. É ganho certo.

“Como já expusemos várias vezes, ‘comprar mais’ ou ‘comprar tudo que puder’ em determinadas situações não determina a valorização do dólar, mas, sim, a sua desvalorização”, diz Nehme, cujas notas técnicas têm leitores na Fazenda há muito tempo.

Mistérios da receita
Por tal ótica, a banca, via mercado futuro de moedas, influencia a taxa cambial. E a faz, diz ele, induzida pelo BC. É assim desde o governo passado, tornando o câmbio linha auxiliar da Selic. “Não venham com o argumento de que o dólar cai no mundo todo”, provoca. “Aqui cai mais e, comprovadamente, não por causa do fluxo cambial. Afinal, o fluxo está quase negativo e o real segue se apreciando.”

A política anti-inflacionária tocada pela receita segundo a qual não se sacrifica o crescimento e o emprego leva a mistérios como o câmbio valorizado contraditando a intenção do governo e o crédito, a velocidade prudencial determinada pelo BC. Tais coisas têm ônus. A indústria está ficando pelo caminho. O que mais, logo se verá.

Fato, causa e efeito
Se o controle da inflação é a prioridade, ao BC, diz Nehme, resta elevar a retenção de depósitos da banca até neutralizar a liquidez reposta com o ingresso de US$ 31 bilhões em empréstimos de curto prazo. E, se o fizer, a receita da desinflação com crescimento sob orientação da presidente Dilma Rousseff poderá desandar.

É possível conciliar as duas coisas. Depende do ritmo de expansão econômica que ela esteja disposta a tolerar. Fato é que, com câmbio flexível, segundo o professor Rubens Cisne, da FGV, maiores gastos fiscais, mesmo cobertos por impostos, requerem a contrapartida de mais importações para que a inflação não aumente. Em tal cenário, juro alto e moeda forte não são as causas, mas efeitos desse fato.

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