Venezuelanos vão à Colômbia para comprar dólar

Autor(es): Charlie Devereux | Bloomberg
Valor Econômico - 19/04/2011

Para Gustavo Posse, a maneira mais fácil de conseguir dólares hoje em dia envolve percorrer 645 km de carro de Valência, na região central da Venezuela, a Cúcuta, na Colômbia. Dono de uma clínica médica, ele fez essa viagem no mês passado para conseguir moeda forte para pagar um equipamento cirúrgico que importou dos EUA.

Posse, de 58 anos, diz que tentou comprar os dólares no esquema oficial do governo da Venezuela. A resposta foi não. "Tenho que trocar o dinheiro aqui pois na Venezuela não é possível", disse em Cúcuta, no nordeste da Colômbia. Em casa, "solicito dólares oficiais para meu negócio mas eles nunca aprovam".

As casas de câmbio das cidades fronteiriças da Colômbia, como Cúcuta, tornaram-se o único "mercado de liquidez" na troca de bolívares por dólares depois que o presidente Hugo Chávez proibiu as operações de câmbio em maio do ano passado e exigiu que os bancos passassem a usar um mercado administrado pelo Estado, diz Ricardo Hausmann, diretor do Centro de Desenvolvimento Internacional da Universidade Harvard.

"É uma situação desesperadora para as empresas, especialmente na Venezuela, onde tudo é importado", observa Juan Pablo Fuentes, economista da Moody"s Analytics de Filadélfia para a América Latina. "Esses controles cambiais são como um jogo. O governo tenta prender você, e você está sempre tentando encontrar uma saída."

Para pessoas como Posse, a saída é Cucuta, uma cidade de 560 mil habitantes onde Simon Bolívar formou um congresso em 1821, para tentar unificar a América do Sul, transformando-a em um único Estado. Posse diz que vai a Cucuta embora consiga apenas metade dos dólares pelo valor que seus bolívares supostamente deveriam ter pelo câmbio oficial de Chávez.

A taxa em Cucuta estava em 8,30 bolívares por dólar na semana passada. O governo venezuelano cota o dólar a 4,3 bolívares, e o sistema do Banco Central oferece a moeda americana a 5,3 bolívares. Negociar a qualquer outra taxa é ilegal no país. Mesmo assim, cerca de 11% das importações são feitas pelo mercado paralelo, diz Alejandro Grisanti do Barclays Capital.

As operações no mercado paralelo funcionam com os importadores enviando bolívares para um cambista, via transferência eletrônica, que por sua vez envia os dólares para uma conta nos EUA. Transações menores também acontecem em dinheiro vivo. A diferença entre as taxas oficiais e não oficiais mostra que Chávez está sobrevalorizando o Bolívar, diante da situação da economia venezuelana, diz Bret Rosen, estrategista de dívida do Standard Chartered Bank de Nova York para a América Latina.

A Venezuela foi a última economia latino-americana a sair da recessão após a crise financeira iniciada em 2008, e sua taxa de inflação de 27,4% em março era a maior entre os 78 países monitorados pela Bloomberg.

O rendimento extra que os investidores exigem para comprar bônus da Venezuela denominados em dólar, em vez dos títulos do Tesouro dos EUA, estava em 1.004 pontos-base, ou 10,04 pontos percentuais na quarta-feira, o maior nível entre os de todas as nações em desenvolvimento que fazem parte do índice EMBI+ do JP Morgan Chase. O prêmio de rendimento da Colômbia estava em 155 pontos-base no mesmo dia.

A economia colombiana teve no quarto trimestre de 2010 o maior crescimento desde 2007, em razão do aumento da confiança do consumidor e do crescimento dos empréstimos bancários.

Localizada a cerca de 600 km da capital da Colômbia, Cúcuta negocia cerca de US$ 5 milhões em bolívares por dia, segundo Carlos Luna, presidente da Associação dos Cambistas Profissionais do Norte de Santander, ou Asocambios. A Câmara de Comércio de Cúcuta tem registradas 285 casas de câmbio, mas há muitas mais, diz Carlos Gamboa, economista da entidade.

Chávez, que impôs o controle ao câmbio pela primeira vez em 2003, fechou o mercado não regulamentado no ano passado, numa tentativa de reduzir a fuga de capital que chegou a US$ 18,5 bilhões em 2010. Empresas e investidores que não tinham como conseguir dólares do governo pela taxa de câmbio oficial usaram esse mercado. Também conhecido como mercado paralelo, ele permitiu a corretoras trocar bônus por dólares. A medida reduziu a oferta de dólares disponíveis para os venezuelanos.

O sistema de câmbio do Banco Central, Sitme, negocia uma média de US$ 33,8 milhões por dia desde sua abertura, em 9 de junho. Os negócios de câmbio chegavam a US$ 100 milhões por dia antes dos controles de capital, informa Russell Dallen, principal operador de câmbio da BBO Financial Services em Caracas. O sistema limita as compras diárias que as empresas podem fazer a US$ 50 mil.

O governo manteve o Conselho de Câmbio Exterior (Cadivi), que vende dólar a 4,3 bolívares e forneceu uma média diária de US$ 119 milhões no primeiro trimestre.

"Não conheço nenhum país no mundo que possua um regime cambial mais ineficiente e absurdo", disse Hausmann, que foi ministro do Planejamento da Venezuela entre 1992 e 1993.

O sistema de controle cambial da Venezuela "gera inflação sem controle, oscilações fiscais e grandes desvalorizações periódicas", afirmou ele. Nas calçadas do Parque Santander, a principal praça da Cúcuta, placas tentam convencer as pessoas a vender bolívares, enquanto vendedores que trabalham sob comissão apregoam operações de câmbio. Estima-se que entre 20 e 40 venezuelanos visitam cada uma das casas de câmbio de Cúcuta todos os dias.

Posse diz que as viagens a Cúcuta, que ele faz a cada dois meses, tornaram-se uma obrigação e ele está pensando em vender seus negócios na Venezuela. "A gente pede dólares ao Cadivi e eles não aprovam porque se trata de um monopólio", diz Posse, que é cidadão colombiano. "Se eu pudesse encontrar um comprador para a empresa, já teria voltado para a Colômbia, ou ido para os Estados Unidos para morar com meu filho."

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