Colônia mineral

Brasil S.A - Antônio Machado
Correio Braziliense - 05/04/2011

Exige-se da Vale o que nem a Petrobras teve da China, e Dilma vai constatar na visita a Pequim

A mudança de direção da mineradora Vale, a eventual tributação da exportação de minério de ferro — anunciada por “fonte” do Palácio do Planalto, como esse informante foi identificado pelo jornal que deu a notícia, desmentida pelo Ministério da Fazenda —, e a viagem da presidente Dilma Rousseff à China são partes do mesmo enredo.

O pano de fundo é a crescente redução da importância da indústria de transformação, nacional e estrangeira, no Produto Interno Bruto (PIB) e nas exportações, enquanto avançam o agronegócio e os minérios — ambos de baixo valor agregado, reduzida capacidade de geração de empregos e sujeitos a alta volatilidade de preços nos mercados.

Não se trata de situação passageira. Ela vem de longe como reação às muitas mazelas acumuladas na economia, genericamente chamadas de “custo Brasil”, coisas como juros e impostos abusivos, energia e logística cara, burocracia asfixiante, e por aí vai.

Depois da grande crise global de 2008, o governo Lula assumiu a intenção de reavaliar tais referências, mas menos dos fatores que enfraquecem a competitividade da indústria, e, sim, de sua própria dinâmica, com o país passando a exportar menos produtos primários e mais bens acabados. Em vez de minério de ferro, placas de aço; combustíveis, não petróleo bruto, conforme a modelagem do pré-sal, cuja cadeia de produção se estende a um leque de novas refinarias.

É esse o macrocontexto da demissão do presidente da Vale, Roger Agnelli, que sempre sustentou o risco do conflito de interesse com os importadores de minério, sobretudo as siderúrgicas da China. E, também, do novo marco regulatório do petróleo, válido apenas para as áreas de pré-sal, com acordos de partilha, exploração exclusiva pela Petrobras, que ainda terá participação mínima de 30% em cada bloco a ser licitado, e a exportação preferencial de derivados.

Tais princípios ainda não passaram pelo teste da viabilidade com a outra ponta interessada: a clientela da Vale e da Petrobras. É o que Dilma começará a avaliar em seu próximo roteiro internacional.

Ela embarca no sábado para a China, onde vai participar da cúpula dos Brics (ampliada com a entrada da África do Sul ao bloco também formado por Rússia e Índia), e, em seguida, cumpre visita oficial de Estado ao governo chinês, com vários encontros em Pequim.

Sua agenda com o presidente Hu Jintao será complexa, seguramente, muito mais que a encenada com o presidente Barack Obama, durante a visita, também de Estado, ao Brasil, duas semanas atrás.

Minuetos das potências
Os dois encontros embalam um mesmo minueto entre os seus pares: a influência sobre as relações geopolíticas e comerciais. No campo político, Obama não apoiou o pleito por um assento permanente, que confere poder de veto, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, embora, em novembro último, tenha endossado o pedido da Índia.

Hu, provavelmente, fará o mesmo. A China veta Índia e Japão, outro pretendente, com os quais tem rivalidades históricas, razão pela qual vem cozinhando a reforma do estatuto das Nações Unidas.

No campo comercial e de investimentos, a agenda também é difícil com as grandes potências. O Brasil tem deficit comercial com os EUA, e Obama, a meta de dobrar as exportações dos EUA em cinco anos.

Tributação temerária
Com a China, há dois anos nosso maior parceiro comercial, o país tem superavit, mas graças à exportação de commodities, como grãos e minério de ferro, enquanto cresce a importação de manufaturados chineses, que também deslocam a indústria brasileira dos mercados em que até então era competitiva, como África e América do Sul.

A eventual tributação dos minérios, a exemplo do que a Argentina faz com as exportações de grãos, seria, em princípio, para induzir a Vale a investir em siderurgia. É um desafio e tanto. Sozinha, a China tem capacidade equivalente a 60% da demanda mundial de aço.

Pequim cerca Petrobras
As siderúrgicas chinesas processaram 44,4% da produção mundial de aço em janeiro. As do Japão e da Coreia do Sul, 13%. As do Brasil, 2,35%. O handicap brasileiro é ruim. Quando o China Development Bank (CDB) emprestou US$ 10 bilhões por 10 anos à Petrobras, em 2009, contra a importação pela também estatal Sinopec de 150 mil barris/dia em 2010 e 200 mil nos demais anos, Pequim impôs a clausula de que 30% do empréstimo seriam usados na compra de equipamentos petrolíferos chineses. Choca-se com a política de conteúdo nacional no pré-sal.

A Petrobras sempre negou tal cláusula, divulgada pela associação dos fabricantes da China. Pequim será páreo duríssimo para Dilma.

Que negócio da China?
Os acordos entre o CDB e a Petrobras estão contados num estudo de março último do Brookings Institution, think tank dos EUA, em que são mapeados os acordos da China para garantir fontes de energia.

Intitulado “Inside China, Inc: China Development Bank’s Cross-Border Energy Deals”, o estudo revela que são três os acordos com a Petrobras: o empréstimo de US$ 10 bilhões, com juros pela Libor, taxa do mercado de Londres, mais 2,8%; a compra de petróleo; e um memorando de entendimento em que Petrobras e Sinopec aceitam cooperar em áreas de interesse mútuo, como o suprimento de bens e serviços. A China Petroleum and Petrochemical Equipment Industry Association é a fonte da informação da vinculação do empréstimo do CDB às importações pela Petrobras. Isso seria “negócio da China”?

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