A celeuma dos juros

Isto é Dinheiro - 25/02/2013

Taxas baixas não combinam com inflação em alta, mas taxas altas não casam com o crescimento do PIB. Conseguirá Tombini apontar a direção correta da política monetária?
Por Carla JIMENEZ
O Brasil mantém uma relação traumática com a inflação, e não é para menos. As décadas de hiperinflação deixaram cicatrizes, que provocam mal-estar até hoje, diante de qualquer indício de que os preços estejam saindo do controle. A memória das maquininhas de remarcações nos supermercados, ou dos salários que perdiam valor de um dia para o outro, são ainda vívidas no inconsciente coletivo brasileiro. Por isso, a divulgação do IPCA anualizado de 6,15%, há duas semanas trouxe o medo de que o Banco Central esteja perdendo a batalha para o dragão. "Teremos uma inflação menor em fevereiro por causa da redução do preço de energia", diz Sergio Vale, economista da MB Associados, de São Paulo.
"Mas como será em fevereiro do ano que vem, quando não houver uma medida do gênero para compensar a alta de outros setores?" A ansiedade com o assunto ficou patente no mercado de juros futuros. Enquanto a taxa Selic está em 7,25%, os contratos com vencimento em janeiro de 2014 subiram a 7,44% no último dia 7, quando o IPCA foi divulgado. Na semana passada, já estavam em 7,75%. O governo garante que haverá um arrefecimento da alta de preços no curto prazo, o que levará a inflação de 2013 a um patamar inferior ao resultado do ano passado, de 5,75%. A tese é partilhada por especialistas como Heron do Carmo, professor da Universidade de São Paulo, para quem o IPCA fechará em 5,5% neste ano.
No entanto, as mensagens da equipe econômica de que essa meta será perseguida a qualquer custo têm se mostrado insuficientes. "Nosso crescimento está sendo construído em cima da inflação sob controle, juros baixos e investimento", afirmou a presidenta Dilma Rousseff, em discurso feito durante a festa realizada em São Paulo, na quarta-feira 20, para celebrar os dez anos do PT no poder. Embora essa espécie de mantra seja repetido tanto pela presidenta como pela sua equipe econômica, a pesquisa Focus da semana passada apontou para um IPCA de 5,70%, acima da expectativa do governo.
Seja por uma preocupação legítima ou por uma leitura política enviesada, o fato é que o mercado passou a interpretar que o governo estaria deixando de lado a utilização dos juros como instrumento para reduzir o ímpeto inflacionário. As especulações fizeram o ministro da Fazenda, Guido Mantega, mandar um recado da Rússia, no último dia 15, onde se reunia com autoridades econômicas dos países do G-20. "O juro não é fixo, e se a inflação for preocupante, o governo vai mexer", disse Mantega. "Mas isso é com o Banco Central." De fato, é o BC o responsável pela calibragem das taxas, e na visão dos mais céticos, o presidente Alexandre Tombini estaria demorando muito para tomar as rédeas da situação.
"Se não aumentar agora os juros, vai ser mais difícil reduzir o índice para 4,5%, que é o centro da meta, mais adiante", diz Vale. Para o professor da Universidade de São Paulo, Simão Silber, o governo está mais pautado pela agenda eleitoral, adiando remédios amargos, o que reduz a crença dos agentes. "Ganhar credibilidade é difícil, mas perdê-la é muito rápido", afirma Silber. Enquanto isso, Tombini, considerado muito mais contido e econômico com as palavras do que seu antecessor no BC, Henrique Meirelles, vem administrando pacientemente seu papel de "vidraça". A crítica mais recorrente é de que o BC perdeu a autonomia de outrora, e que estaria focando muito mais no crescimento do consumo do que na tarefa básica da autoridade monetária, que é controlar a inflação.
Esse tipo de reação dos agentes econômicos não é novidade para o titular do BC. Em 2011, Tombini foi submetido ao mesmo tipo de pressão, por razões opostas. Ele foi duramente criticado quando iniciou um ciclo de queda da Selic, em agosto daquele ano, após cinco altas consecutivas, para reduzir a atividade econômica, que vinha num embalo perigoso e poderia afetar os preços, depois do PIB de 7,5% de 2010. Ao longo do tempo, sua decisão mostrou-se acertada, pois a crise internacional reduziu o ritmo da economia naturalmente. Para o professor Luiz Gonzaga Belluzzo, da Universidade de Campinas, a história se repete agora. "Não sei por que tanta celeuma em torno dessa questão", diz Belluzzo.
"Confio no Tombini, e quando houver necessidade de aumentar os juros, ele o fará, sem ficar à mercê das pressões externas." Na terça-feira 19, Tombini aproveitou o discurso proferido durante uma solenidade do BC, para reforçar que "não existe hoje no País risco de descontrole da inflação". Belluzzo admite que a chamada difusão de preços, ou seja, a parcela de itens monitorados pelo IPCA que estão em alta, já representa três quartos do índice, o que obrigará, certamente, o Comitê de Política Monetária (Copom) a aumentar o juro, provavelmente na reunião de abril – a próxima acontece nos dias 5 e 6 de março. "É uma calibragem natural, como aquele segredinho, o tempero especial para fazer um bom arroz", diz Belluzzo.
É exatamente essa difusão percebida pelos agentes econômicos que provocou o ajuste para cima das taxas futuras. "O mercado futuro já fez o trabalho sujo do BC", ironiza Carlos Thadeu de Freitas, ex-diretor da instituição financeira. "Os financiamentos mais longos já estão mais caros, o que deve levar o Copom a aumentar as taxas para atenuar os temores de que os preços vão subir mais adiante." Embora seja um paradoxo – aumentar a Selic agora, para reduzir as taxas de longo prazo –, Freitas avalia que esse é o melhor caminho para o BC afastar as incertezas que envenenam a confiança dos investidores. O ex-diretor do BC se refere aos investidores de papéis no mercado. Já os empresários, que produzem e negociam bens e serviços tangíveis, pensam exatamente ao contrário.
"O desafio atual é ampliar oferta, e não contrair demanda", afirma Flavio Castelo Branco, gerente-executivo de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria. O economista Fabio Silveira, da RC Consultores, concorda. "Se o BC aumentar a Selic, ele inverte a expectativa, o que traria outro problema", diz Silveira que, ao contrário da maioria, espera um corte de 0,25 ponto. O presidente do BC se encontraria, assim, diante de uma escolha de Sofia, dilema esse, de passagem, inerente a seu cargo. De qualquer forma, na semana passada Tombini aproveitou para enviar a seguinte mensagem: "Quando necessário, se ensejado pelo cenário prospectivo para a inflação, a postura do BC em relação à política monetária será adequadamente ajustada." Seu discurso só ficará claro na próxima reunião do Copom. Por ora, suas palavras elevaram as taxas futuras.