Constantes transformações legais impactam diretamente na atuação do empresariado e em investimentos


As constantes mudanças legais e o quadro de excesso de normas para alguns assuntos ou falta de regras específicas para outros comprometem a segurança jurídica no País e, consequentemente, a atuação do setor privado e novos investimentos – além de obrigarem as companhias a manterem estruturas específicas para acompanhar e aplicar as constantes mudanças legais e fiscais.
Nesse cenário, cabe aos departamentos jurídicos das empresas direcionarem sua atuação para o foco preventivo, o que nem sempre é possível por conta do extenso e mutável emaranhado legal.
Esta é uma das mensagens-chave deixadas pelo Fórum Jurídico – Transformações Legais, promovido pela Amcham-São Paulo em 28/02. O evento reuniu advogados e diretores jurídicos para comentar e trocar experiências a respeito do sistema jurídico brasileiro, em especial mudanças recentes com alto impacto sobre o empresariado.
Quando a atuação da área jurídica passa despercebida, é porque está fazendo um bom trabalho, de acordo com Ana Cássia Mercante, diretora jurídica da montadora General Motors. “Se não chamamos atenção, é porque conseguimos orientar bem [a empresa] e não geramos problemas que requeiram reação. Nosso papel é preventivo”, argumenta ela.
Parte do trabalho do departamento consiste em se manter sempre atualizado e acompanhar a agenda legislativa do Senado e da Câmara dos Deputados. “O problema de um projeto de lei é que sempre sabemos como ele entra, mas não como sai”, comenta a executiva.
Diante desse grau de imprevisibilidade que envolve o Poder Legislativo brasileiro, Ana se mostra favorável à instituição do direito comum (Common Law), sistema jurídico em que o direito é criado por juízes e baseado nos precedentes dos tribunais. “Gosto da ideia de Common Law, acho importante a ideia de ter decisões judiciais [em vez de atos do Poder Legislativo ou Executivo, como é praticado no Brasil]”.
Nos EUA, onde esse sistema é praticado, a constituição de 1787 tem oito artigos e recebeu 10 mil propostas de emenda. “Até hoje, só 27 foram aceitas. Têm-se as decisões judiciais regulando dentro um ambiente seguro”, argumenta ela.
Em contrapartida, a legislação brasileira, de 1988, já recebeu 4,350 milhões de regulamentos e decretos até outubro de 2011. “Como uma empresa convive em um ambiente desse?”, indaga ela. Para Ana, “seria melhor viver em um ambiente tranquilo e estável”.
Impacto sobre investimentos
No complexo sistema jurídico brasileiro, as regras nem sempre estão bem distribuídas. “O equilíbrio na função normativa é o desejável. Há casos em que a falta [de leis] cria insegurança, enquanto por outro lado o excesso atrapalha os negócios”, argumenta Luis Fernando de Almeida, diretor jurídico da Nextel.
Como exemplo, ele cita a Lei do Estágio (11.788/08) que estabelece, entre outras coisas, jornada máxima de seis horas diárias (antes eram 8h) e 30 horas semanais para os estudantes de nível superior, profissionalizante e médio.
Para Almeida, a lei carrega certo paternalismo. “As pessoas precisam desse nível de intervenção para buscar o que é mais importante para elas?”, questiona ele.
Outro exemplo dado por Almeida foi a da Certidão Negativa de Débito (CND), documento que serve para comprovar a ausência de débitos de uma empresa junto aos órgãos públicos, bem como sua regularidade fiscal e cadastral perante a Receita Federal, e que é requisitado para fechamento de negócios com empresas públicas e também com algumas privadas.
Sua validade é de 90 dias, e a emissão desse certificado só é obtida após uma série de exigências. “O Estado obriga a sociedade se preocupar com isso, em vez de fiscalizar e punir quem realmente merece“, critica ele.
No último exemplo de como o nó legal atrasa negócios, Almeida cita a burocracia existente para a instalação de antenas de telefonia móvel nos municípios. Cada cidade tem sua própria legislação, e cumprir todas as exigências muitas vezes se mostra inviável economicamente.
“O que se tem de concreto nesse campo é que a competência para legislar sobre telecomunicações é da União. Os municípios têm competência para regular sobre urbanismo, e o estado regula questões de saúde. No setor de telefonia há centenas de leis diferentes em cidades diferentes, sobre o mesmo tema”, explica ele.
Quatro a cinco anos para apreciação de projetos
No setor de energia, por exemplo, as regras mudam constantemente e acompanhá-las é um desafio. “Temos que responder questionamentos o tempo inteiro por algo que no dia seguinte talvez não valha mais”, constata Luís Fernando Radulov Queiroz, diretor jurídico da AES Brasil.
Até o ano passado, a AES acompanhava periodicamente a agenda legislativa nas esferas estadual e federal, e os setores relacionados recebiam um informe atualizado da movimentação legal. “Recebia dezenas de e-mails diários relativos a alterações jurídicas do setor. Ninguém dá conta [de atualizar] tudo isso”, conta ele.
O trabalho teve que ser interrompido devido à impossibilidade de atualização em tempo hábil. “Cada PL do setor demora três a cinco anos para andar.” A segurança jurídica é fundamental para empresas e cidadãos, segundo Queiroz. “A sociedade está mudando. Os direitos são cada vez mais claros e seu acesso está cada vez mais facilitado. Há necessidade de se fazer justiça com bases sólidas.”
Grandes propostas de mudanças legais na visão de especialistas
No fórum, ao lado da participação de diretores jurídicos, especialistas comentaram sobre propostas de mudanças legais com grande impacto sobre o setor privado. As alterações do Código de Processo Civil foram abordadas por Fredie Didier Jr., sócio do escritório Didier, Sodré e Rosa Advocacia e Consultoria. As mudanças no Código de Defesa do Consumidor ficaram a cargo de Leonardo Roscoe Bessa, promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal.
As mudanças na legislação trabalhista foram comentadas por Ricardo Pereira de Freitas Guimarães, sócio do escritório Freitas Guimarães Advogados Associados. E a criação do Código de Defesa do Contribuinte foi debatido pelo tributarista Edison Carlos Fernandes, sócio do escritório Fernandes, Figueiredo Advogados.
Participaram também do painel Alexandre Siciliano Borges, sócio do escritório Lacaz Martins, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados e o especialista Diógenes Mendes Gonçalves Neto, sócio do escritório Pinheiro Neto Advogados.
Fonte: Amcham