Baixa competitividade faz Brasil perder US$ 7,4 bi em exportação para América do Sul em 3 anos

RedacaoT1
Poucos acordos de livre comércio firmados pelo país pioram cenário.

Foto: Appa
Os poucos acordos de livre comércio dos quais é signatário e a baixa competitividade da indústria nacional fizeram com que o Brasil deixasse de ser um fornecedor interessante de manufaturados aos vizinhos sul-americanos.
Um levantamento realizado pela área de inteligência comercial do governo mostra que, entre 2008 — ano em que estourou a crise financeira internacional — e 2011, a participação das exportações brasileiras no total importado na América do Sul caiu de 11% para 9,7% . O espaço perdido do Brasil nesse mercado foi de, no mínimo, US$ 7,4 bilhões.

No mesmo período, a fatia conjunta dos Estados Unidos, da Índia, da China e da União Europeia na região aumentou de 46,4% para 50,4%.
Para manter a participação de 11% no mercado, o Brasil precisaria ter exportado para os vizinhos, em 2011, US$ 63,6 bilhões, mas as exportações somaram US$ 55,9 bilhões, crescimento de 12% em relação a 2008, quando somaram US$ 49,9 bilhões.
No mesmo período de comparação — entre 2008 e 2011 —, a taxa de crescimento do total comercializado na América do Sul foi de 26,8%, ou US$ 577,1 bilhões.
Já as vendas dos EUA, da China, da Índia e da UE totalizaram para o continente somaram US$ 291,4 bilhões, montante 38,1% maior do que há quatro anos.
As projeções indicam tendência de queda da participação brasileira, uma vez que, nos quatro primeiros meses de 2012, a fatia do Brasil havia caído ainda mais, para 8,4% do total comprado pelos vizinhos sul-americanos.
Para o presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, com o surgimento da Aliança do Pacífico, acordo de livre comércio entre México, Colômbia, Chile e Peru, que começou a vigorar no mês passado, a perda de mercado pelo Brasil vai se acelerar.
Em população, os integrantes da Aliança somam mais de 210 milhões de habitantes, 36% da população total da América Latina e do Caribe. O Produto Interno Bruto (PIB) representa 35% do total da América Latina, com taxa de crescimento ascendente, média de 5% em 2012, acima do crescimento mundial, de 2,2%.
— Enquanto esses países abrem seus mercados e dão preferências uns aos outros, o Mercosul adota uma política voltada para dentro. É como se o Mercosul fosse um bloco autista, que não sabe o que se passa no mundo. Nós ficamos aqui, ideologicamente, pensando em quem vamos trazer — disse Castro.
Ele também citou duas negociações importantes em curso: o tratado de livre comércio entre americanos e europeus ocidentais; e a Parceria Transpacífica, grupo que será formado por EUA, Canadá, Japão, Austrália, Brunei, Chile, Malásia, México, Nova Zelândia, Peru, Cingapura e Vietnã. Um dos objetivos desta parceria é o enfrentamento conjunto da concorrência chinesa.
Na avaliação de Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington, a perda de mercado na América do Sul se deve a três fatores: a perda de competitividade do produto brasileiro, causada pelo aumento do custo de produção; a presença cada vez maior da China na região; e o protecionismo, sobretudo, da Argentina.
— Além disso, Chile, Colômbia, México e Peru têm acordos de livre comércio com os EUA, que dão preferência a esses mercados e vice-versa — acrescentou Barbosa.
Para se ter uma ideia da perda de espaço pelo Brasil, de 2008 a 2011, a participação dos EUA no total importado pelos sul-americanos subiu de 17,7% para 20,3%.
A China passou de 11,6% para 13,4%. No período, enquanto as vendas brasileiras cresceram US$ 6 bilhões, esses mercados, junto com Índia e UE, tiveram um acréscimo de US$ 80 bilhões.
Uruguai e Venezuela, sócios do Brasil no Mercosul, dão clara preferência a produtos chineses. As importações de bens brasileiros subiram, respectivamente, 32,2% e 24,4%. Ao mesmo tempo, os uruguaios aumentaram as aquisições da China em 97,7%; e os venezuelanos, em 117,6%.
Venezuela e Argentina sem sapatos do Brasil
Os argentinos expandiram em 54,8% as importações de produtos americanos. O Peru reduziu em 1% as aquisições do Brasil, mas aumentou em 55% as operações oriundas dos EUA e em 22% da China.
— O cenário de perda de mercado nos afeta diretamente. Já não exportamos mais um único par de sapatos para Venezuela e Argentina — disse o diretor comercial da Associação Brasileira da Indústria de Calçados (Abicalçados), Astor Ranpft.
O economista Marcos Lélis, coordenador da unidade de inteligência comercial e competitiva da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex), explicou que a perda de mercado do Brasil na América do Sul ficou mais evidente após a crise que também afetou em cheio o comércio internacional em 2009.
O processo simultâneo de desaquecimento da demanda externa e aquecimento da interna teve influência direta nesse quadro, observou.
— Agora que a demanda interna está desaquecida, temos dificuldades para retomar estes mercados — analisa.
Por outro lado, o presidente da AEB acredita que, com o compromisso assumido pelo brasileiro Roberto Azevêdo, eleito diretor geral da Organização Mundial do Comércio (OMC), de ressuscitar a moribunda Rodada de Doha, paralisada há quase uma década, existe expectativa de volta do multilateralismo. Isso significa que um amplo acordo na OMC ganharia mais importância do que negociações de tratados bilaterais e extrarregionais. O próprio Azevêdo admitiu isso, na última sexta-feira: lembrou que qualquer decisão tomada na OMC é aplicada automaticamente aos 159 países associados.
— Quando houver a sensação de que a OMC voltou a ser um fórum viável, não tenho a menor dúvida de que os membros vão voltar as atenções ao sistema multilateral de comércio — disse.
Fonte: O Globo, Por Eliane Oliveira