Enxurrada de dólares - Empresas brasileiras captam mais no exterior

Fartura externa
Autor(es): Bruno Villas Bôas
O Globo - 20/05/2013

Para investir e baratear dívida, empresas captaram US$ 18,9 bi no exterior até maio, 10% a mais
Depois de encher o caixa de dólares no ano passado, as empresas brasileiras voltaram a chamar atenção pelo mundo na semana passada ao levantar uma fortuna de recursos de investidores estrangeiros. Com operações de gigantes como Petrobras e BRF, as companhias registram agora uma captação de US$ 18,9 bilhões com a emissão de títulos no mercado internacional neste ano, o que representa um crescimento de quase 10% na comparação com o mesmo período do ano passado (US$ 17,3 bilhões). Segundo especialistas, num momento em que a economia começa a retomar o crescimento, a fartura financeira externa pode ser uma aliada, ainda que aumente a exposição ao risco cambial. Até maio, as empresas já obtiveram 63,4% de todo o montante captado no ano passado no exterior, de US$ 29,8 bilhões. Para analistas, as emissões devem repetir ou superar este patamar em 2013, o que vai depender dos rumos da crise internacional.
Uma pesquisa da BB Securities obtida pelo GLOBO mostra que 13 empresas brasileiras captaram recursos com a emissão de bônus no ano até a semana passada. O destaque ficou para a Petrobras, que levantou US$ 11 bilhões na segunda-feira passada. Foi a maior operação de uma empresa de país emergente da História e a segunda maior do ano, atrás apenas da emissão de US$ 17 bilhões da americana Apple, em abril.
- Os investidores estrangeiros estão muito otimistas com esses títulos. A demanda está boa, com bons prazos e taxas melhores. A Petrobras poderia ter captado mais, se quisesse. E se a empresa pagava 6% ao ano nas emissões anteriores, esse custo caiu para 4,5% ao ano nos títulos que vencem em dez anos - afirma Felipe Wilberg, executivo de renda fixa do Itaú BBA.
MERCADO PREVÊ MAIS CAPTAÇÕES
Os motivos que levam empresas a buscar recursos lá fora vão desde alongar dívidas, pagando taxas menores, a até levantar dinheiro para seus planos de negócios, como foi o caso da Petrobras, que vai investir US$ 236,7 bilhões até 2017. A Cosan captou US$ 500 milhões para pagar dívidas mais caras assumidas quando adquiriu a distribuidora Comgás. Já a BRF emitiu US$ 750 milhões para investir e baratear dívidas. Outras empresas também aproveitaram a fartura global, como a Gol, as construtoras Odebrecht e OAS; os frigoríficos JBS e Marfrig.
A fartura de dinheiro nos mercados em tempos de baixo crescimento econômico pelo mundo é explicada pelo excesso de liquidez, afirma Rafael Bistafa, economista da Rosenberg Consultores. Os bancos centrais de EUA, Europa e Japão estão injetando recursos nos mercados para incentivar suas economias, principalmente com programas de recompra de títulos.
- Mesmo que a percepção sobre o Brasil tenha piorado no exterior, com intervenções do governo e a inflação mais alta, os investidores estrangeiros querem bônus das empresas brasileiras porque têm juros mais rentáveis do que os títulos soberanos, dos países - diz Bistafa.
Sandy Severino, diretor da área de captações externas do BTG Pactual, sediado em Nova York, afirma que mesmo empresas que têm classificação de risco ( rating ) "BB", nota que antecede o grau de investimento (empresa considerada segura para se investir), estão conseguindo captar no mercado internacional:
- Fizemos emissão de empresas sem grau de investimento, como a Cosan, e teve muita demanda. O mesmo com Andrade Gutierrez. E isso tende a continuar assim - explica.
Segundo especialistas, o mercado ficou mais aquecido após o Tesouro Nacional captar US$ 800 milhões no início de maio, uma operação que serve como uma referência de custos e prazos para as emissões das empresas brasileiras.
Leonardo Loyola, gerente de mercado de capitais do Banco do Brasil, acrescenta que os compradores de títulos são fundos de pensão e fundos de investimento, que precisam fazer o dinheiro render para seus clientes e cotistas.
- A demanda tem sido maior de investidores americanos e europeus. Os asiáticos também têm apetite, mas a demanda por esse tipo de aplicação cresce lentamente. Geralmente o investidor asiático prefere o contato pessoal e títulos perpétuos - explica Loyola.
Já os bancos brasileiros, que normalmente aproveitam as oportunidades para levantar dinheiro no exterior, tiraram o pé do acelerador. Eles captaram US$ 4,1 bilhões de janeiro a maio, 45% a menos do que no mesmo período de 2012. Segundo especialistas, eles não fizeram novas emissões porque estariam capitalizados após as operações do ano passado.
CRESCE EXPOSIÇÃO AO CÂMBIO
Para o BTG Pactual, empresas, bancos e governos devem captar somados até US$ 55 bilhões este ano, o que significaria uma alta de 10% frente ao ano passado (US$ 50,3 bilhões). O banco não descarta, contudo, um número aquém de 2012, que foi um ano aquecido no setor. Desde janeiro, os três segmento captaram US$ 23,8 bilhões, o que representa uma queda de 12,5%.
As captações, por outro lado, deixam as empresas mais sensíveis às flutuações do câmbio. Segundo Armando Castelar, coordenador de Economia Aplicada do Ibre/FGV, o risco para as empresas está na valorização do dólar, o que tornaria mais caro em reais para as empresas conseguirem pagar suas dívidas.
- Isso não necessariamente preocupa. Algumas empresas têm uma proteção natural contra a flutuação do câmbio. É o caso da Petrobras, que tem ativos no exterior, e de empresas exportadoras, como a Vale - avalia Castelar.
Levantamento na base de dados da Economatica mostra que a dívida de 170 empresas brasileiras de capital aberto avançou de R$ 158,5 bilhões no primeiro trimestre de 2012 para R$ 192,5 bilhões no primeiro trimestre do ano. Trata-se de um aumento de 21,40%. O valor não inclui a Vale, que não informa o número em seu balanço. Se excluída a Petrobras, esse aumento foi de 13,87%. No período, o câmbio subiu menos, 10,52%, para R$ 2,014.