Banco Central precisa agir no câmbio

Brasil Econômico: 31/05/2013

De forma coesa, o Copom fez o que disse que ia fazer, sem se importar com o esgotamento das fontes que provocavam inflação.

Quando os oito membros do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central sentaram-se à mesa quase no final da tarde de quarta-feira para decidir o juro básico mais adequado para combater a inflação, certamente já tinham analisado detalhadamente os dados divulgados de manhã pelo IBGE sobre o frustrante desempenho do PIB nos três primeiros meses do ano.

Tudo estava lá, bem claro: os segmentos e itens que vinham empurrando a inflação acumulada em doze meses para o teto de 6,5% da banda inflacionária murcharam no primeiro trimestre. O consumo das famílias, até o final de 2012 o motor mais potente tanto do crescimento quanto da inflação (ao sancionar os repasses do setor de serviços), estagnou-se.

O segmento de serviços, responsável por 58,2% do PIB, subiu apenas 0,5%. O choque de oferta de alimentos, outro vilão cruel da inflação, saiu de cena, com a expansão de 9,7% registrada pelo PIB agrícola. Mas o BC preferiu ser coerente consigo mesmo e, em contradição com os números do IBGE, decidiu fazer uma agressiva alta de juros.

A Selic foi elevada em 0,50 ponto, de 7,5% para 8%. O Copom dobrou a dose em relação à decisão tomada em abril, de promover uma alta de 0,25 ponto. Tudo porque, ao longo de maio, foram tantas e tão enfáticas as declarações de que seria mais rigoroso no ataque à inflação que não tinha como recuar, sob pena de ver maculadas sua credibilidade, sua antevisão e sua capacidade de coligir dados reais e verdadeiros sobre a economia.

De forma coesa, o Copom fez o que disse que ia fazer, sem se importar com o esgotamento das fontes que provocavam inflação. Foi-se o mito cultivado pelos mercados de que, entre todos, o BC é o agente mais bem informado sobre o que acontece na economia.

Resta saber o que fará daqui para frente. As pistas são fracas. O lacônico comunicado pós-Copom sugere que o ciclo de aperto monetário poderá ser mais curto do que se imaginava até a reunião de quarta-feira.
Os economistas de instituições acreditavam que só iria parar de subir a taxa básica quando ela chegasse a 8,75%. Mas a frase "o Comitê avalia que essa decisão contribuirá para colocar a inflação em declínio e assegurar que essa tendência persista no próximo ano" sugere que o ciclo de alta já acabou. Ou estaria muito perto do fim, bastando encerrá-lo no Copom de 10 de julho com um avanço simbólico de 0,25 ponto.
Os analistas grifam a expressão "essa decisão". Por si só, a alta de 0,50 ponto já poderia ser suficiente para assegurar a tendência declinante da inflação. O tamanho total do atual ciclo de alta seria, portanto, de 100 pontos.
"A ata irá fornecer indícios mais consistentes sobre os próximos passos. Mas se o BC não parar nos 100 pontos irá afetar negativamente a atividade", diz Maurício Molan, economista-chefe do Santander. Se o ciclo avançar para 200 pontos, o BC corre o risco de abortar a recuperação dos investimentos, que subiram 4,6% no primeiro trimestre do ano.
O único mérito da alta agressiva de 0,50 ponto é agir sobre o canal das expectativas. O BC mostra que não está para brincadeiras. Há ainda dois outros canais poderosos de transmissão para a economia das decisões de política monetária. O segundo é o crédito. Mas este já não oferece perigo.
O boom do crediário já passou. Como o comprometimento da renda das famílias com o pagamento de dívidas atingiu o recorde de 44% em março, o crédito total, se crescer 14% este ano como prevê o BC, já será muito, vindo de 16,4% em 2012. O terceiro canal é o câmbio. E, neste, a gestão do BC vem sendo amadora. Ele não pode permitir que o dólar se consolide acima de R$ 2,10.
Faltando um dia para terminar o mês, o dólar registra em maio alta de 5,02%. Saltou de R$ 2,0015 no encerramento de abril para R$ 2,1140 na quarta-feira. O BC não fez nada para suavizar a escalada .

A justificativa para o imobilismo deve ser buscada nas declarações do ministro da Fazenda, Guido Mantega, segundo as quais uma taxa de câmbio desvalorizada é boa para as exportações. Ademais, seria contraproducente o BC agir para segurar o dólar internamente quando a moeda descreve movimento global de alta. Não é bem assim.

Na quarta-feira, o dólar disparou 1,93%, fechando a R$ 2,114, justamente num dia em que a moeda americana caiu no mundo. Tanto é que o Dollar Index, que mede a variação do dólar em relação a um cesta de moedas, recuou 0,76%.

O dólar caiu lá fora e subiu aqui. Por quê? O argumento é de que há uma saída líquida de capitais estrangeiros. Atenção: saída líquida está longe de configurar uma fuga em massa de investidores decepcionados com o baixo crescimento, alta da inflação, aumento do endividamento bruto e intervencionismo governamental. Houve sim saída de estrangeiros.

No acumulado de maio até o dia 24, a balança cambial registra uma retirada líquida de capitais externos pela conta financeira de US$ 341 milhões. Mas do ponto de vista das forças que atuam para formar a taxa de câmbio essa saída é irrelevante porque a conta comercial registrou um superávit de US$ 11,17 bilhões. Ou seja, sobraram na praça US$ 10,83 bilhões.

Apesar da sobra de moeda e do fato de que o dólar caiu no exterior, o dólar disparou aqui 1,93%. Qual a mágica? A explicação é muito simples: os "comprados" nos pregões de derivativos cambiais da BM&F puxam a Ptax (taxa oficial de câmbio do Banco Central, utilizada para liquidar os contratos) para cima para aumentar seus lucros nos mercados futuros.

Só há um "comprado" em dólar futuro e cupom cambial: o investidor institucional brasileiro, vale dizer, fundos de investimentos, fundações e seguradoras. Mas o seu cacife é imenso: estão comprados em nada menos que US$ 18,05 bilhões.
Os "vendidos" - os investidores estrangeiros e os bancos -, apesar de terem reforçado suas apostas nos últimos dias, têm um caixa menor, de US$ 17,77 bilhões. Em três dias, aumentaram a aposta em US$ 1,2 bilhão já que na sexta-feira, 24, suas posições vendidas alcançavam US$ 16,54 bilhões. Inutilmente.
Serão derrotados hoje, último dia de formação da Ptax, a não ser que o BC decida, contrariando Mantega, fazer uma mega-intervenção destinada a derrubar o dólar. Pouco provável. Forjou-se a lenda de que o BC não gosta de agir nos momentos de embate entre "comprados" e "vendidos" para não ser acusado de favorecer uma das partes.
Ele não deveria ter esse constrangimento: se o que está em jogo são os rumos da inflação que afeta a vida de todos os brasileiros, pouco importa o que acontece nos pregões da BM&F.