Concordata na China, oportunidade no Brasil

Autor(es): Fernando J. G. Landgraf
Correio Braziliense - 20/05/2013

Uma empresa chinesa na bancarrota, em concordata. A notícia é rara, mas real. O mundo dos negócios foi surpreendido no fim de março pelo pedido de concordata da gigante Suntech, até recentemente líder mundial do setor de energia solar, produzindo mais que 2GW em painéis solares somente em 2012. É a prova de que a crise também assola a China. Mas não só isso.
Para expandir as vendas, a Suntech chegou a reduzir o preço de venda por watt para um valor tão baixo — da ordem de US$ 1,51 —, que acabou não resistindo à queda geral de preços no mercado internacional. O tiro no pé mostra que a prática de preços muito próximos ao custo de produção pode levar a consequências graves, incluindo quem utiliza esse recurso, até mesmo em um forte mercado.
A energia solar fotovoltaica movimentou cerca de US$ 77 bilhões em 2012, segundo dados da Global PV Systems Installation Revenue Forecast. É um valor que evidencia espaço para oportunidades. O número de painéis solares instalados no mundo bate recordes todos os anos (31 gigawatts em 2012). Porém, a derrocada da Suntech mostra que, nesta área, apenas as empresas realmente competitivas conseguirão sobreviver. Nesse ponto, o Brasil tem muito a aproveitar. O país está diante da oportunidade de produzir silício de grau solar, matéria que origina os painéis fotovoltaicos, a custos competitivos, contando com tecnologia desenvolvida com talentos e recursos laboratoriais nacionais.

O Brasil é o maior produtor mundial de quartzo. Desse elemento se parte para a obtenção de silício, pelo método da purificação do tipo Siemens, desenvolvido na Alemanha na década de 1950 para purificações altíssimas, ou pela Rota Metalúrgica, que purifica um pouco menos, deixando o silício mais barato e, assim, valioso para a produção de painéis fotovoltaicos.
Os US$ 77 bilhões de movimentação no mercado de energia solar fotovoltaica em 2012 são extraordinários. São a prova de que países estão trocando suas matrizes energéticas que poluem por fontes alternativas limpas — e as principais são a solar e a eólica. Depois do acidente radioativo em Fukushima, no Japão, em 2011, o mundo despertou para o perigo das usinas nucleares — e passou a olhar seriamente para a energia solar.
Mais: o preço do silício no mercado varia de acordo com seu grau de pureza. O silício grau solar tem preço médio no mercado de US$ 30 por quilo, enquanto o silício "simples" (silício grau metalúrgico), sem purificação, US$ 2 por quilo — sem contar o dumping da Suntech.
Mesmo com a maior produção mundial de quartzo, o Brasil importa, a altos custos, lâminas de silício purificado, encarecendo toda a cadeia de produção de painéis fotovoltaicos. Os governos federal e estadual de São Paulo atentaram para o momento. O Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), ligado ao governo paulista, resolveu entrar de cabeça no assunto e adquiriu o equipamento para purificar o silício na escala de painéis solares. Vindo da Alemanha, custou cerca de R$ 1,4 milhão. O investimento faz parte de um aporte de R$ 12,5 milhões do Fundo Tecnológico (Funtec), do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e da Companhia Ferroligas Minas Gerais (MinasLigas), em pesquisa que deverá viabilizar a produção do silício grau solar em escala industrial.
O chamado "forno de solidificação direcional" é o primeiro no Brasil e na América do Sul da nova geração tecnológica — esses fornos evoluíram para produzir lingotes de até 500kg. O processo que poderá se dar na indústria é simulado em laboratório do IPT. Essa é uma nova forma de produção, perseguida por empresas, universidades e institutos no mundo.
O investimento público é muito bem-vindo, mas ainda embrionário. É hora de o Brasil avançar nessa área e investir em um mercado com alta possibilidade de ganho. Mais do que recursos financeiros, é preciso um esforço conjunto de empresas e órgãos públicos em torno do assunto. O Brasil pode liderar a corrida pelo silício grau solar e, em consequência, pela energia solar fotovoltaica, sem práticas abusivas como a Suntech fez, seguindo uma linha de avanço tecnológico e estruturação — ou pode ver o trem, cheio de barras de silício, passar.
FERNANDO J. G. LANDGRAF
Diretor-presidente do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) e professor-associado da Escola Politécnica da USP