Tiroteio desvirtua câmbio

Brasil Econômico - 17/07/2013
Tiroteio desvirtua câmbioOs fundos de investimento nacionais reduziram suas posições compradas em dólar futuro em US$ 1,1 bilhão.
Na segunda-feira (15/7), o dólar tombou 1,9%. Os fundamentos indicavam a queda, mas não desse tamanho. E ontem, sem que nada de relevante estivesse acontecendo nas praças mundiais, o dólar resolveu mudar de rota e encerrou o dia com valorização de 1,35%, cotado a R$ 2,2540.
Na segunda, o dólar despencou à vista porque, aproveitando-se de liquidez muito fraca, investidores "comprados" no pregão de dólar futuro da BM&F venderam US$ 1,26 bilhão.
Os fundos de investimento nacionais reduziram suas posições compradas em dólar futuro em US$ 1,1 bilhão, de US$ 9,21 bilhões para US$ 8,11 bilhões. E os estrangeiros em US$ 157 milhões, de US$ 8,13 bilhões para US$ 7,97 bilhões.
Eles venderam a moeda no futuro para justamente derrubar o preço e recomprar no dia seguinte por cotação mais baixa, realizando lucros e embolsando a diferença. Não foi um simples desmonte de posição, por arrependimento ou mudança de estratégia.
Um operador comentou que uma grande instituição vendeu dólares futuros na segunda-feira com o objetivo de comprar moeda à vista ontem mais barata. Outro operador disse que a baixa de segunda-feira recebeu a mãozinha de uma instituição interessada em elevar suas posições compradas em juros futuros.
O pregão de DI futuro da BM&F costuma se deixar influenciar pelo comportamento do dólar futuro. Não faltam, pois, iniciativas criativas para desvirtuar a taxa de câmbio.
Esse jogo de ganha ou perda - desde maio mais de ganha-ganha - afeta a vida de todo mundo: das empresas produtivas que têm dívidas em dólar, de exportadores e importadores, de turistas brasileiras, de consumidores de produtos importados ou nacionais com elevado conteúdo de componentes adquiridos do exterior e do trabalhador em geral.
Os empregos não estão imunes às armações tecidas nos pregões de derivativos cambiais. Ao magnificarem os estímulos pró-elevação do dólar vindos dos fundamentos - estreitamento da liquidez mundial por causa dos ensaios de normalização monetária nos EUA e desconfiança quanto aos rumos da economia brasileira -, os especuladores podem forçar a intensificação e a duração do atual aperto monetário conduzido pelo Banco Central.
Sobretudo se o BC não conseguir evitar que o dólar fure a cotação de R$ 2,30 e se consolide acima dela. Os efeitos sobre a inflação serão inevitáveis, a despeito de a desaceleração da atividade retirar pressões de demanda. A variação do dólar irá se agregar aos preços como inflação de custos e não de demanda. E o impacto será o mesmo.
O que o governo pode fazer para minar essa caixa de ressonância do mercado futuro? Como ele não tem nenhuma influência sobre os discursos e as decisões do Federal Reserve (Fed), só pode agir internamente, retirando os estímulos internos à alta.
Pode fazer isso de duas maneiras: ou mudando radicalmente a política econômica no sentido das teses conservadoras (pesado ajuste fiscal, não interferência em setores econômicos e regras mais permissivas às concessões públicas) ou sufocando a atuação dos "comprados" em dólar futuro por meio de punições tributárias capazes de desencorajar a livre movimentação das posições. Se o investidor quiser ficar comprado, não tem problema, mas o fará dentre de balizas estritas, inibidoras do lucro financeiro. Das duas opções, a segunda parece ser a mais fácil.
Se nada for feito, o dólar continuará se locomovendo aqui divorciado do viés externo. Enquanto a moeda subiu aqui 1,35%, lá fora caiu 0,70%, de acordo com o Dollar Index, indicador também conhecido como DXY que apura a variação da moeda americana em relação a uma vasta cesta de moedas internacionais. E o dólar caiu lá fora pelas mesmas razões que levariam a moeda a cair aqui dentro, se os fundamentos valessem.
O motivo básico foi que o núcleo da inflação americana caiu em junho. O ‘core inflation' (o componente observado pelo Fed quando toma suas decisões monetárias) do CPI (Índice de Preços ao Consumidor) caiu de 1,7% (acumulado em doze meses) em maio para 1,6% em junho, a menor taxa desde junho de 2011, quando nem se sonhava com o fim do "quantitative easing", o QE3.
Como a meta de inflação do Fed é de 2% ao ano, ele deveria estar pensando em aumentar suas compras mensais de títulos, não em reduzi-las. Alguns sites disseram que a inflação de junho voltou a preocupar porque o CPI cheio subiu de 1,4% em maio para 1,8% em junho. Na verdade, não, porque o índice cheio foi contaminado por uma alta extemporânea da gasolina, de 6,3%. E o Fed expurga preços de energia e de alimentos de sua inflação.
Outro indicador divulgado ontem, sobre produção industrial, também não sugere apressar a redução do QE3. Ela cresceu 0,3% em junho, em cima das previsões dos analistas, mas, em 12 meses, persistiu em queda, de 2,8% em maio para 2,6% em junho. 
E o especulativo mercado de câmbio brasileiro não ignorou ontem somente o Dollar Index. Deu ombros para o pregão que deveria ser sua referência número um, o secundário de títulos do Tesouro americano.
Os ‘yields' dos T-Notes de 10 anos passaram a tarde entre 2,51% e 2,54%, esta taxa mais alta sendo a do fechamento do dia anterior. Nem se importaram muito com nova carga da presidente do Fed de Kansas, Esther George, a falcão mais estridente e intransigente do comitê de política monetária. Defendeu de novo o início do fim do QE3 em breve.
Ainda bem que, pelo menos ontem, o câmbio deturpado não contagiou negativamente o pregão essencial, o de juros futuros, pois formador básico das taxas prefixadas praticadas à vista. Os contratos seguiram os fundamentos e recuaram. Foi divulgado ontem mais um índice de inflação abaixo das expectativas dos analistas. Desta vez, foi o IGP-10.
Subiu 0,43% em julho, para projeção média de 0,56%. Em junho, o IGP-10 havia avançado 0,63%. O indicador desacelerou por causa da deflação dos alimentos. E a desvalorização cambial não está neutralizando o declínio de preços dos alimentos. A taxa para a virada do ano cedeu de 8,78% para 8,77%.
O contrato com vencimento em janeiro de 2015 desacelerou de 9,55% para 9,45%. E o contrato onde mais atuam os estrangeiros, para janeiro de 2017, refluiu de 10,60% para 10,54%.