Incerteza sobre câmbio pesa sobre Bolsa, dólar e juros

SÃO PAULO - O pregão de quinta-feira nos mercados brasileiros foi pautado pela instabilidade. Além da queda das commodities no mercado externo e dados sobre a economia chinesa, os investidores lidaram com uma onda de incerteza que afetou bolsa, câmbio e juros em função das recentes investidas do governo para conter a valorização do real.

Na noite de quarta-feira, o Banco Central (BC), complementou as medidas tomadas pela Fazenda sobre a alta do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), fechando as brechas que permitiriam ao não residente fazer operações na Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) sem pagar os 6% de imposto que agora incidem sobre os depósitos de margens de garantia.

A incerteza sobre novas medidas aliadas aos ajustes impostos pelas restrições entre operações de bancos locais com estrangeiros que queiram operar no mercado futuro resultou em resposta negativa nos mercados. O quer corria pelas mesas era que os estrangeiros estariam insatisfeitos com as mudanças de regra durante o meio do jogo.

Na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), os papéis de maior liquidez foram os que mais apanharam, e corria pelas mesas que investidores desmanchavam posições nesses ativos.

No fim da jornada, o Ibovespa mostrava queda de 1,07%, aos 69.652 pontos. O giro financeiro atingiu R$ 7,331 bilhões.

No mercado americano, as bolsas registraram instabilidade ao longo da tarde, mas conseguiram fechar no campo positivo. O índice Dow Jones subiu 0,35%, o Nasdaq avançou 0,09% e o S&P 500 teve valorização de 0,18%.

À tarde, entretanto, a queda dos preços das commodities pressionou o desempenho dos papéis de maior peso sobre o Ibovespa. As ações PN da Petrobras encerraram o dia com desvalorização de 3,32%, a R$ 24,16 – menor preço desde março de 2009 -, e volume negociado de R$ 1,096 bilhão. Já os papéis PNA da Vale caíram 1,96%, a R$ 48,33, com total movimentado de R$ 928 milhões.

“As ações da Petrobras continuam pesadas depois da oferta, não contam com fluxo novo, o estrangeiro não volta a comprar as ações”, apontou o gerente de renda variável da Modal Asset Management, Eduardo Roche.

Com o terceiro maior giro do dia, as ações ON da BM&FBovespa movimentaram R$ 350,1 milhões e perderam 3,19%, para R$ 13,63. Os papéis foram novamente prejudicados pelo esforço feito pelo governo para conter a valorização cambial.

Analistas do mercado relataram que o mercado está inseguro e temem que, se as medidas não forem suficientes para impedir a queda do dólar, novas ações sejam implementadas e atinjam o mercado acionário.

Durante a tarde, quando o Ibovespa caiu mais de 2%, circularam inclusive informações de que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, daria nova entrevista, o que elevou a preocupação com outras medidas cambiais.

“A taxação do IOF ainda está sendo digerida pelo mercado, que teme novas medidas e está suscetível a qualquer coisa”, ressaltou Roche. Apesar das tensões geradas pelas decisões do governo, a Fator Corretora manteve sua recomendação de compra para as ações da BM&FBovespa, com preço-alvo de R$ 18,50 para junho de 2011.

“Acreditamos que a receita operacional da companhia será pouco afetada, mas as medidas adotadas pelo governo geram insegurança aos investidores, o que poderá ocasionar uma maior volatilidade das ações da empresa no curto prazo. O mercado continuará a buscar novas formas de tornear as alíquotas mais altas”, apontaram Jacqueline Lison, Mateus Renault e Luiz Guilherme Fonseca, em relatório. “As novas regras são negativas no curto prazo, mas continuamos otimistas quanto ao desempenho da BM&FBovespa no longo prazo.”

Passando para o câmbio, o dólar comercial passou por firme ajuste de alta e fechou acima de R$ 1,70 pela primeira vez desde o fim de setembro. A demanda por moeda americana teve pouca relação com o cenário externo, o que explicou a alta foi a reação dos agentes às recentes determinações do Banco Central (BC), que fecharam as brechas que permitiram o depósito de margem na BM&F sem o pagamento do IOF.

No encerramento do pregão, o dólar comercial apontava alta de 1,61%, a R$ 1,702 na venda. Maior preço desde 29 de setembro, quando a moeda fechou a R$ 1,705. O giro interbancário foi de US$ 2,1 bilhões.

Na roda de “pronto”, da Bolsa de Mercadorias e Futuros (BM&F) o dólar avançou 1,33%, para R$ 1,6965. O volume caiu de US$ 35,75 milhões, para US$ 9,5 milhões, um dos menores do ano.

Segundo o diretor da Corretora Futura, André Ferreira, a puxada de preço não ocorre em função das medidas, mas sim pela insegurança que o modo de atuação do governo traz ao mercado.

“O governo está causando um imbróglio jurídico. Isso espanta o investidor. Aqui é o único lugar do mundo onde tem medica cambial quase toda a semana”, disse o especialista.

Ainda de acordo com Ferreira, ter regras não é o problema, pois os investidores se adaptam. O que não pode acontecer é essa regra mudar com frequência.

O diretor também apontou que essas medidas adotadas pelo governo para conter a alta do real deixam de pensar na situação inversa. Hoje, o estrangeiro está vendido (apostando no real), só que depois, caso ele queira apostar no dólar (o que faz o preço do real cair) enfrentará as mesmas dificuldades.

No mercado de juros futuros, os contratos recobram os prêmios de risco perdidos no pregão anterior. Na avaliação do economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luis Otavio de Souza Leal, com o dado de desemprego bem mais forte do que o previsto pelo mercado, e sabendo que esse é um tema sensível para o Banco Central, esse aumento nos prêmios de risco pode ser encarado como alto natural.

Pela manhã o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) surpreendeu o mercado ao anunciar que a taxa de desemprego caiu de 6,7% em agosto para 6,2% em setembro, menor taxa da série inicia em 2002.

Conforme notou o especialista, mesmo descontando fatores sazonais o resultado é forte - um recuo de 6,6% para 6,4% também é a menor taxa da série. Outro ponto a ser considerado é a formação da taxa, diz Leal, já que muitas vezes o resultado é obtido através de variações da Pesquisa Economicamente Ativa (PEA). No entanto, no mês em questão, a PEA permaneceu estável, então, o que explica a queda no desemprego é a criação efetiva de novas vagas.

Também em pauta no dia, as novas determinações do Banco Central (BC). Para Leal, essas medidas do governo afetam, principalmente, a parte longa da curva, onde os estrangeiros sempre foram doadores de dinheiro. “Esse tipo de medida dificulta a presença de um player importante do mercado.”

Sem efeito sobre a formação de preço, conforme o esperado, o Comitê de Política Monetária (Copom) manteve a taxa básica de juros estável em 10,75% ao ano, na sua reunião de quarta-feira.

Antes do ajuste final de posições, o contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) com vencimento em janeiro de 2012, mais líquido do dia, apontava alta de 0,07 ponto, a 11,34%. Janeiro de 2013 mostrava valorização de 0,12 ponto, a 11,78. Janeiro de 2014 ganhava 0,14 ponto, a 11,78%. E janeiro de 2015 também aumentava de 0,14 ponto, a 11,73%. Entre os curtos, novembro de 2010 apontava estabilidade a 10,63%. E janeiro de 2011 projetava 10,64%, também sem alteração.

Até as 16h10, foram negociados 701.390 contratos, equivalentes a R$ 59,65 bilhões (US$ 35,64 bilhões), em linha com o observado no pregão anterior. O vencimento janeiro de 2012 foi o mais negociado, com 212.180 contratos, equivalentes a R$ 18,66 bilhões (US$ 11,15 bilhões).

(Eduardo Campos - Valor)