Prioridades na relação com o exterior

Os ministérios da Fazenda e de Relações Exteriores dividirão, neste fim de governo, o protagonismo na atuação da política externa em matéria econômica. Em um campo, pelo menos, nenhum dos dois ministérios deverá exercer muita atividade: as negociações multilaterais de comércio, na OMC, ou negociações entre Mercosul e outros parceiros, como União Europeia, estão em modo inercial: haverá reuniões de técnicos e autoridades para discutir o assunto, mas ninguém em Brasília põe muita fé em resultados práticos.

O mesmo não acontecerá nas negociações sobre as ameaças de ressurgimento da crise financeira. As reuniões para debater o tema não só contarão até com a presença do presidente Lula, que vai à Coreia para a reunião do G-20, em novembro, como têm recebido forte atenção, especialmente do Ministério da Fazenda. Trata-se de descobrir como aproveitar esse esforço diplomático, de coordenação de políticas econômicas, para evitar a "guerra cambial" denunciada pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Ou, dada a inflexibilidade dos governos envolvidos, tentar reduzir os danos desse salve-se quem puder em que se transformaram as políticas econômicas mundiais.

Não será possível atribuir ao fantasioso antiamericanismo do Itamaraty o novo foco potencial de atritos entre Brasil e EUA: os americanos querem aproveitar a reunião do G-20 para concentrar forças na pressão contra a China, acusada de depreciar artificialmente sua moeda e inundar de produtos baratos os mercados mundiais. Os brasileiros, embora também temam as hordas de importados chineses, veem com maior preocupação, no momento, as medidas dos EUA para combater o próprio desaquecimento econômico.
País vai ao G-20 com discurso contrário às medidas unilaterais
No esforço para estimular o consumo e evitar a deflação, os EUA combinam política de juros baixíssimos e derrame de dólares na economia, sob a forma de recompra de títulos públicos ou pela liberação de depósitos dos bancos retidos pela autoridade monetária. É uma política que desvalorizará ainda mais o dólar; um favor aos exportadores americanos e uma ameaça a produtores de países como o Brasil.

O Brasil vai ao G-20 com um discurso contrário às medidas unilaterais e descoordenadas, e favorável a maior diálogo e articulação entre as políticas monetárias dos países, para uma estratégia global contra a crise. O ambiente de desconfianças e falta de disposição pode ser medido, porém, pelo constrangimento recente das autoridades anfitriãs, na Coreia, acusadas pelo Japão de não ter autoridade para presidir o encontro do G-20. Tudo porque o governo coreano partiu para políticas ativas de intervenção no mercado de câmbio tentando evitar a valorização da moeda nacional.

Com a guerra cambial em período de movimentação de tropas, os esforços internacionais parecem pouco produtivos, o que aumenta a importância das políticas internas para tratar do problema. No Brasil, a maior discussão é sobre como reduzir a taxa de juros, que atrai investidores, inflaciona o país de moeda estrangeira e valoriza ainda mais o real, agravando a perda de competitividade nacional. Os candidatos à Presidência da República são vagos e às vezes contraditórios ao falar do problema, que parece exigir algum aperto nos gastos públicos e maior controle da entrada de capital no país.

Um dos pontos interessantes que deveriam ser cobrados dos candidatos nos próximos debates públicos é a política para o BNDES, forte componente da estratégia de crescimento do atual governo. Economistas ligados aos tucanos acusam o banco de sabotar a política monetária, ao emprestar com juros subsidiados a poucos investidores, obrigando o Banco Central a elevar mais do que deveria as taxas de juros cobradas do restante, para manter a eficácia da política de contenção da demanda inflacionária. No campo governista, não se fala em mudanças nessa política, enquanto personagens ligados à candidata se alternam entre anunciar uma iminente política de contenção de gastos e declarar que ela não é tão necessária assim.

Nesse cenário de suspeitas e choques entre governos, lá fora, e de indefinição e disputa eleitoral, no país, faz bem o Itamaraty em aproveitar o pouco tempo que resta ao governo atual insistindo em reforçar os laços entre os países do Mercosul, antes que as tendências de fragmentação comprometam o frágil projeto de bloco regional.

Como antecipou o ministro de Relações Exteriores, Celso Amorim, ao Valor, o Brasil, na presidência temporária do Mercosul, quer fixar neste ano cronogramas e tomar decisões para aumentar a coordenação e integração, entre Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, em matéria de tarifas de importação, regras para serviços, compras governamentais e investimentos. É muito, mas ainda insuficiente para conter as ameaças à competitividade das exportações brasileiras, que terão de buscar nas políticas internas as medidas para enfrentar a concorrência estrangeira.

Sergio Leo é repórter especial e escreve às segundas-feiras