Valor Econômico - 06/04/2011
As operações de "carry trade" com o iene voltaram com força nos últimos dias, causando valorização recorde de várias moedas de mercados emergentes e podem estar também por trás da recente disparada do real.
Há anos o "carry trade" com o iene é uma das principais operações de especuladores e "hedge funds" internacionais. A estratégia é tomar dinheiro emprestado no Japão, onde os juros são baixos ou até negativos, e aplicar em países de taxas elevadas, como o Brasil, a África do Sul e a Austrália. O efeito dessa manobra no câmbio é deprimir mais o iene e apreciar a moeda do país para onde o investidor está bombeando seu dinheiro.
Em alguns raros momentos a estratégia foi inviabilizada por um movimento diferente na taxa de juros ou pela valorização do iene. Foi o que aconteceu pouco depois do terremoto e tsunami que devastaram parte do Japão em 11 de março. Apesar de a economia japonesa ter sido afetada pela pior catástrofe desde a Segunda Guerra Mundial, o iene chegou à maior cotação de todos os tempos em relação ao dólar seis dias depois.
O iene subiu apoiado na expectativa de que os japoneses resgatariam as aplicações feitas no exterior e repatriariam os recursos para investir na reconstrução do país; e de que as seguradoras teriam que ter recursos em moeda local para indenizar as vítimas.
No entanto, o movimento esperado não se concretizou. Não só as seguradoras tinham caixa como os japoneses têm muito menos investimentos no exterior do que se imaginava. Para melhorar a vida dos especuladores, os bancos centrais das principais economias ainda ajudaram o Japão a injetar liquidez para acalmar os mercados, no que ficou conhecido como a primeira ação bem-sucedida orquestrada pelo G-7 em muito tempo.
Como resultado, o iene devolveu os ganhos e as condições tipicamente favoráveis ao "carry trade" voltaram a se apresentar.
Uma das moedas nas quais os especuladores mais gostam de apostar quando tomam recursos em iene é o dólar australiano. Quem investiu no dólar australiano com recursos captados no Japão ganhou 10% na semana passada, segundo cálculos do "Financial Times". A moeda australiana chegou a atingir a maior alta desde que passou a ter livre conversibilidade, em 1983.
O dólar australiano atrai interesse especial dos investidores porque a Austrália tem a maior taxa de juro entre as economias avançadas, 4,75% ao ano, e os investidores acreditam que ela pode subir para 5,5% ou mais até o fim do ano. Como a inflação no país está ao redor de 2,7%, o ganho real é apreciável. Além disso, o governo não tem feito nada para deter a escalada da moeda, uma vez que um câmbio mais forte ajuda a conter a inflação, embora esteja prejudicando a indústria doméstica.
Qualquer semelhança com o Brasil não é mera coincidência. Há algum tempo os ativos brasileiros são alvo dos especialistas em "carry trade". O aumento da especulação levou o governo brasileiro a tomar medidas para conter o investimento estrangeiro em renda fixa, elevando o IOF sobre essas operações, em outubro, em duas etapas, de 2% para 4% e, depois, para 6%. Os dados do balanço de pagamentos de fevereiro mostram que o impacto foi significativo. Agora, o governo teve que regular outra torneira, a dos empréstimos externos de curto prazo (até um ano), que também estavam tirando proveito do diferencial entre os juros internos e os externos. Por isso, aplicou IOF de 6% nas captações externas de até 360 dias.
Apesar das medidas tomadas e das frequentes intervenções do Banco Central (BC) no mercado de câmbio, o dólar caiu para o menor patamar em relação ao real desde agosto de 2008, no fim de março.
Alguns especialistas dizem que ainda há brechas para o "carry trade". Uma delas é a aposta dos bancos nos mercados futuros de câmbio. Essas apostas foram limitadas pela imposição de depósitos compulsórios nas posições vendidas, que entraram em vigor nesta semana. Para alguns analistas, porém, o aperto deveria ser maior porque as posições vendidas em dólar, além de embutirem uma aposta na apreciação do real, também permitem a captação de recursos externos.
Enquanto os juros brasileiros estiverem extraordinariamente altos e a liquidez internacional for ampla, a tarefa de conter a apreciação do real vai ser semelhante à de enxugar o gelo.
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