Barreiras ao crescimento

Autor(es): Armando Castelar Pinheiro
Valor Econômico - 01/03/2013

Passados mais de dois anos desde que começou a desacelerar, em meados de 2010, a economia brasileira continua patinando, sem conseguir crescer pelo menos na média da América Latina, como ocorreu entre 1995 e 2010. O Produto Interno Bruto (PIB) de 2012, a ser conhecido hoje, deve ter crescido perto de 1%, enquanto para este ano o mercado projeta 3%, mas com viés de baixa.
À primeira vista, a dificuldade de se acelerar a economia é surpreendente, considerando todos os estímulos monetários, creditícios e fiscais que vêm sendo dados. Mas esse mistério é, logicamente, apenas aparente. Há hoje um relativo consenso de que o baixo crescimento resulta, de um lado, de restrições de oferta, em especial a dificuldade de contratar trabalhadores com as habilidades necessárias e salários competitivos, e, de outro, da ausência de um clima mais propício ao investimento, que vem recuando há vários trimestres e, alguns especulam, pode cair outra vez como proporção do PIB em 2013.
É sobre este último ponto que gostaria de fazer uma proposição: a contração do investimento é uma consequência do modelo econômico adotado nos últimos anos. No meu entendimento, o pilar central desse modelo é a redução da remuneração do capital no Brasil. Refiro-me aqui à queda da taxa Selic, da TJLP, dos spreads bancários, das taxas de retorno dos investimentos em infraestrutura etc.
A Selic está abaixo do ideal e a resposta tem sido recorrer a artifícios para manter a inflação abaixo de 6,5%
A premissa básica é a de que todas essas taxas estavam desnecessariamente altas e que, reduzindo-as, se estimularia a demanda por investimentos e a competitividade. A maior beneficiária seria a indústria, mas a meta era mais ampla: aumentar a taxa de investimento para algo entre 22% e 24%.
O problema foi decidir baixar essas taxas por determinação administrativa, e não a partir de reformas que criassem condições econômicas para que o próprio mercado as trouxesse para baixo, como, aliás, vinha ocorrendo há alguns anos. Passou-se a ter, assim, uma inconsistência entre o nível dessas taxas e a realidade do mercado. Quando as consequências negativas dessa dissonância começaram a aparecer, a resposta não foi corrigir a inconsistência, mas tentar compensá-la mexendo em outras variáveis, o que por sua vez gerou outros desequilíbrios, que inibem o investimento.
Tome-se o caso da Selic. Descontada a inflação esperada, essa caiu ao longo da década passada de pouco mais de 10% para cerca de 5%. A partir da reunião do Copom de 31 de agosto de 2011, porém, a queda se acelerou e essa taxa está agora em 1,7%.
A decisão de derrubar a Selic se deu apesar de a inflação estar bem acima da meta em agosto de 2011: nos 12 meses anteriores o IPCA subira 7,2% e a expectativa de inflação para os 12 meses seguintes estava em 5,4%. A visão era de que "o cenário internacional manifesta(va) viés desinflacionário no horizonte relevante", fazendo com que "o balanço de riscos para a inflação se torna(sse) mais favorável".
Apesar desse viés deflacionário importado, a inflação não convergiu para a meta: fechou 2011 no teto da meta e caiu em 2012 para 5,8%, mas apenas por que o IBGE refez a ponderação do IPCA. Com a mesma ponderação, a inflação de 2012 repetiu a de 2011. E, como mostrou o resultado de janeiro de 2013, ela segue subindo e se generalizando.
Apesar de a Selic estar abaixo do ideal para o momento, a resposta não tem sido subi-la, mas recorrer a artifícios para manter a inflação abaixo de 6,5%: semicongelar o preço dos combustíveis, adiar o reajuste dos ônibus, dar isenções tributárias etc. Porém, isso não muda o fato de que a inflação estrutural continua acelerando. Os artifícios, por sua vez, geram desequilíbrios que um dia terão de ser resolvidos.
Em relação aos spreads de juros a história é semelhante. Ao forçar que esses caíssem abaixo do que praticava o mercado, tornou-se certas operações desinteressantes. Com isso, a oferta de crédito desacelerou, esfriando o consumo. A resposta foi expandir fortemente o crédito público: em 2012, este aumentou 20,2%, descontada a inflação, contra a alta de 1,8% nos empréstimos das instituições privadas.
Na infraestrutura, a mesma coisa. As taxas de retorno oferecidas nas novas concessões foram reduzidas. Como essas se mostraram incompatíveis com o risco a ser assumido, tentou-se compensar permitindo uma grande alavancagem dos investidores com recursos do BNDES a juros reais nulos. Mesmo assim, permaneceu o baixo interesse e a taxa de investimento em infraestrutura caiu pelo segundo ano seguido em 2012, apesar da alta nos desembolsos do BNDES.
Como essa dissonância vai se resolver? Uma possibilidade é a economia caminhar para tornar essas taxas viáveis, com os empresários "entendendo" isso e voltando a investir. A alternativa é que essas taxas sejam corrigidas para patamares mais realistas e os desequilíbrios desfeitos, enquanto se fazem as reformas necessárias para que elas voltem a cair.
A segunda alternativa parece a mais realista, se o objetivo é que o investimento e a economia voltem a crescer mais rápido no curto prazo.
Armando Castelar Pinheiro é coordenador de Economia Aplicada do IBRE/FGV e professor do IE/UFRJ. Escreve mensalmente às sextas-feiras.