Guerra e paz cambial

Autor(es): Otaviano Canuto
Valor Econômico - 21/03/2013

Grande parte das atenções durante o encontro em fevereiro entre ministros das Finanças e presidentes de bancos centrais do G-20 em Moscou foi dirigida às chamadas "guerras cambiais" que estão sendo travadas pelos países avançados por meio de políticas monetárias não convencionais. Outra questão crucial - a do financiamento dos investimentos de longo prazo -, no entanto, foi negligenciada, apesar de que será necessária a revitalização ou a criação de novos ativos e passivos de longo prazo na economia mundial, para que vejamos a extinção dessas políticas monetárias não convencionais.
O colapso do Lehman Brothers em 2008 elevou o prêmio de risco e desencadeou o pânico nos mercados financeiros, enfraquecendo ativos nos Estados Unidos e em outros países e ameaçando provocar escassez de crédito. Para evitar vendas emergenciais de ativos - que teriam levado ao desmantelamento desordenado dos balanços patrimoniais do setor privado, provavelmente dando início a uma nova "Grande Depressão" ou mesmo derrubando a região do euro -, os bancos centrais dos países avançados começaram a comprar ativos de risco e a ampliar a concessão de empréstimos a instituições financeiras, expandindo a base monetária.
Embora os temores de desmoronamento tenham se dissipado, essas políticas foram mantidas ou estendidas, com as autoridades monetárias atribuindo isso à fragilidade da recuperação econômica agora em andamento e à ausência de outras alavancas que sejam igualmente fortes - como as reformas estruturais ou da política fiscal - e que possam substituir as atuais políticas monetárias com a rapidez suficiente.
A ansiedade quanto às políticas monetárias não convencionais e às "guerras cambiais" não pode continuar a dominar as discussões de política econômica, tendo em vista a promessa dos líderes do G-20 de não entrar em desvalorizações competitivas
Vários anos de políticas monetárias "ultrafrouxas" nos países avançados, entretanto, levaram a uma transferência expressiva de liquidez ao exterior, exercendo pressão excessiva sobre as moedas dos países em desenvolvimento que oferecem maior rendimento. Com os países em desenvolvimento encontrando dificuldade para impedir as entradas maciças de capital ou para mitigar seus impactos - em razão de restrições econômicas, como a inflação elevada ou a política doméstica - a metáfora das "guerras cambiais", cunhada em 2010 pelo ministro da Fazenda do Brasil, Guido Mantega1, encontrou grande eco pelo mundo.
Além disso, apenas uma pequena porção da liquidez criada pelas políticas monetárias não convencionais foi canalizada em direção às famílias e às pequenas e médias empresas, que geram a maior parte dos empregos. Em vez disso, as entidades financeiras mundiais afetadas pela crise usaram a liquidez para reforçar seus esforços de desalavancagem e reconstruir o capital, enquanto as grandes empresas acumularam grandes reservas de caixa e refinanciaram suas dívidas em condições favoráveis. Como resultado, o crescimento econômico e a criação de empregos continuam desbotados, com a disponibilidade de financiamento para investimentos de ativos produtivos de longo prazo - essencial para o crescimento sustentável - seriamente limitada.
Alguns acreditam que a eliminação do "risco de cauda" macrofinanceiro, o fortalecimento gradual da economia mundial e o aumento dos preços dos ativos vão, em algum momento, convencer os acumuladores de capital a elevar sua exposição a novos empreendimentos nas economias avançadas. Esse otimismo, contudo, pode não ser justificado. De fato, no recente encontro do G-20, o Banco Mundial apresentou o Relatório Geral sobre o Financiamento a Investimentos de Longo Prazo para o Crescimento e Desenvolvimento2. O informe, baseado na análise de várias organizações internacionais, destaca várias áreas de preocupação.
Para começar, é provável que persista a atual falta de financiamento a investimentos de longo prazo. Afinal, muitos dos bancos dos países avançados, em especial na Europa, que dominavam esses investimentos - por exemplo, os financiamentos a projetos de infraestrutura de grande escala -passam por uma profunda desalavancagem e reconstroem suas bases de capital. Até agora, os demais bancos não conseguiram preencher a lacuna.
Além disso, o impacto das reformas reguladoras acertadas internacionalmente - a maioria ainda por entrar em vigor - resultará no aumento das exigências de capital dos bancos e no encolhimento da escala dos riscos de descasamento de prazos que podem carregar em seus balanços. É provável que o "novo normal" resultante disso seja marcado por concessões de empréstimos bancários de longo prazo mais caras e escassas.
O relatório do Banco Mundial também aponta que, como consequência do recuo dos bancos, investidores institucionais com passivos de longo prazo - como fundos de pensão, seguradoras e fundos soberanos - podem ser convocados para assumir maior papel no financiamento de ativos de longo prazo. Para facilitar essa mudança, no entanto, será preciso desenvolver veículos apropriados de financiamento, adquirir conhecimento em termos de investimentos e de gestão de risco e aperfeiçoar os marcos regulatórios, assim como, também serão necessários dados e referenciais de investimento adequados. Esses investidores terão de direcionar seu foco à média e pequena empresa, que os bancos muitas vezes negligenciam.
Por fim, os mercados de bônus em moeda local - e, em termos mais gerais, os mercados de capitais domésticos - das economias emergentes terão de ser ainda mais explorados, de forma a prolongar os fluxos financeiros. Os mercados de títulos governamentais em moedas locais se saíram bastante bem durante a crise, enquanto os mercados de títulos empresariais em moedas locais desempenharam um papel mais modesto como veículo de financiamento para o longo prazo. Isso sugere que reformas domésticas voltadas a reduzir o custo de emissão, a aperfeiçoar as exigências de transparência e os direitos para os credores e a derrubar outros obstáculos poderiam trazer melhores resultados.
A ansiedade quanto às políticas monetárias não convencionais e as "guerras cambiais" não pode continuar a dominar as discussões mundiais de política econômica, em particular, tendo em vista a promessa em fevereiro dos líderes do G-20 de não entrar em desvalorizações cambiais competitivas. Em vez disso, os líderes mundiais deveriam trabalhar para maximizar a liquidez que as políticas não convencionais geraram e usá-la para reforçar o investimento a ativos produtivos de longo prazo. Essa abordagem é a única maneira de posicionar a recuperação da economia mundial sobre uma base sustentável. (Tradução de Sabino Ahumada).
Otaviano Canuto é vice-presidente da Rede de Redução da Pobreza e Gerenciamento Econômico do Banco Mundial. Copyright: Project Syndicate, 2013.