O esforço do governo neste momento é para alavancar os investimentos públicos e privados na economia, depois de cinco trimestres consecutivos de queda. Em conversa com o Valor, um integrante da equipe econômica faz uma pergunta crucial: de onde virá o dinheiro?
"Tem gente que fala que o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem de financiar o investimento", diz. "O BNDES não gera poupança." A alternativa natural, ele mesmo responde, é usar a poupança externa: "O Brasil terá de refletir sobre o déficit em conta corrente ideal para financiar os investimentos necessários para crescer."
Devagar, o déficit em conta corrente vem aumentando ao longo do tempo. Nos primeiros anos do governo Lula, houve superávit. Em 2008, o Brasil voltou ao território negativo. O Banco Central projeta que ele vá subir de 2,4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2012 para 2,7% do PIB em 2013. Com isso, chegará mais próximo da faixa entre 3% e 3,5% do PIB que, para muitos economistas, deixa o Brasil numa situação de vulnerabilidade externa. Ou que desperta entre segmentos mais nacionalistas o receio das chamadas "perdas internacionais", uma expressão muito usada pelo ex-governador Leonel Brizola.
Governo deve decidir o déficit externo ideal para o país
Essa fonte da equipe econômica vê o crescente déficit em conta corrente como uma oportunidade para alavancar os investimentos - e lembra que, hoje, países como a Austrália e a Turquia vivem em relativa tranquilidade com déficits que chegam a 7% do PIB.
O resultado em conta corrente é um indicador da absorção de poupança externa pela economia. Em anos recentes, diz a fonte, o Brasil cresceu de forma mais acelerada, porque a maior absorção de poupança externa alavancou a taxa de investimento.
De 2000 a 2006, o Brasil cresceu em média 3,2% ao ano. De 2007 a 2012, a taxa média de expansão do PIB subiu 0,5 ponto percentual, para 3,7% ao ano, considerando que o crescimento tenha ficado em cerca de 1% no ano passado. Entre um período e outro, a taxa de investimento na economia aumentou de 16,3% do PIB para 18,6% do PIB.
O Brasil passou a crescer de forma mais acelerada graças ao aumento da taxa de investimento. Ainda assim, com investimentos na casa dos 18% do PIB, a tendência de crescimento de longo prazo é relativamente baixa, entre 3,5% e 4%.
A oferta de mão de obra e a produtividade do trabalho e do capital são outros determinantes do crescimento de longo prazo da economia. Por razões demográficas, porém, a oferta de mão de obra tem crescido menos, embora o Banco Central venha afirmando que ela está mais produtiva, em função do aumento da escolaridade média do brasileiro. Reformas e um ambiente mais favorável à inovação poderiam contribuir para ampliar a produtividade do capital, mas os resultados costumam aparecer de forma bastante lenta.
O que alavancou a taxa de investimento? Em boa medida, a absorção de poupança externa, argumenta a fonte. O déficit em conta corrente aumentou da média de 0,6% do PIB de entre 2000 a 2007 para 1,6% do PIB entre 2007 e 2012.
"Se o Brasil quer crescer mais, terá de aumentar a sua taxa de investimento", diz a fonte da equipe econômica. "Se, por exemplo, o desejo for aumentar a poupança para o equivalente a 21% do PIB, será necessário encontrar poupança para financiar isso." Em tese, há três alternativas: poupança pública, poupança privada e poupança externa.
A queda do superávit primário entre 2011 e 2012, de 3,1% do PIB para 2,4% do PIB, sinaliza redução de poupança do setor público. Os investimentos do governo federal caíram de 1,15% do PIB para 1,09% no período, segundo dados do economista Mansueto Almeida, um especialista em finanças públicas, que excluem os subsídios ao programa "Minha Casa, Minha Vida".
O aumento da poupança privada é um desejo antigo do governo, que procurou incentivá-la com reformas como a da Previdência e benefícios tributários às aplicações em fundo de pensão. Mas o seu aumento efetivo depende do comportamento dos agentes privados e suas preferências entre consumo e poupança.
A alternativa ao alcance, usada diversas vezes na história econômica brasileira, é absorver poupança externa. Ela nem sempre teve final feliz. O último ciclo de alta do déficit em conta corrente, foi nos anos seguintes ao Plano Real. Em 1993, ano imediatamente anterior à adoção do programa de estabilização, a conta corrente estava praticamente em equilíbrio, com um leve resultado negativo de 0,16% do PIB. Em 1999, bateram em 4,32% do PIB e o Brasil viveu uma crise externa.
Há diferenças entre a situação atual e a do pós-Plano Real. A mais importante é que, naquela época, o regime de câmbio do Brasil era fixo e, hoje, flutuante, o que naturalmente funciona como uma linha de defesa para eventuais choques externos. "O essencial é como você usa o déficit em conta corrente", afirma a fonte. "Se for para financiar consumo, pode dar tragédia mais adiante. Mas, se for para bancar investimentos, a produção vai aumentar mais adiante e ajudar a pagar a contas."
O alto volume de reservas internacionais e a nova configuração do passivo externo líquido, formado sobretudo por investimentos e menos por dívidas, são outros fatores que dão maior conforto para o Brasil conviver com um déficit em conta corrente mais alto que no passado. Hoje, o principal item nas rendas enviadas para o exterior são as remessas de lucros e dividendos, que normalmente são menores nos ciclos econômicos negativos, e não mais compromissos fixos com o pagamento de juros.
Na essência, o tamanho do déficit em conta corrente é uma decisão de política econômica. No último ano e meio, com a desvalorização do real, o governo Dilma Rousseff parece ter optado por absorver menos poupança externa. Mas, para a fonte, não foi feita uma escolha definitiva - e essa é uma decisão ainda em aberto. "O que interessa no fim do dia é a taxa de câmbio real." O governo parece ter imposto um piso para a cotação do câmbio nominal, sempre discutido pelo mercado. Mas, com a inflação de preços e salários, o câmbio real se move um pouco todos os dias.
Alex Ribeiro é repórter especial em Brasília. Excepcionalmente, deixamos de publicar hoje a coluna de Claudia Safatle
E-mail: alex.ribeiro@valor.com.br
Fonte: Valor Econômico