Puxada pela indústria, cresce importação de aparelhos domésticos


A procura por cafeteiras elétricas em uma loja virtual traz 50 modelos. A diversidade não é só de preços, design e funções, mas também de fornecedor - são 17 marcas diferentes. Competem na tela do computador, ao lado de nomes tradicionais como Arno, Black&Decker e Electrolux, marcas menos conhecidas como Oster, Zeex e Dynasty. A profusão de marcas disponíveis reflete uma competição maior pelo consumidor brasileiro, não só pelas indústrias nacionais, como também pelos importadores. As cafeteiras elétricas são apenas um exemplo.

O real valorizado, juntamente com a disponibilidade de renda e o mercado interno aquecido, está mudando o perfil das importações de bens de consumo. As máquinas e aparelhos de uso doméstico representavam, de janeiro a julho do ano passado, 15,7% das importações dos bens de consumo duráveis. Agora já são 22,3%, fatia maior que os 19,2% do mesmo período de 2008, no pré-crise.

De janeiro a julho deste ano, as importações de bens de consumo duráveis somam US$ 9,5 bilhões, valor 39% superior ao do mesmo período de 2008, quando o consumo também foi forte. Na mesma comparação, o desembarque de máquinas e aparelhos de uso doméstico cresceu 62,2%.
Secadores de cabelo, liquidificadores, máquinas de lavar louça e panelas eletrotérmicas chegaram a ter o valor de importação dobrado nos primeiros sete meses de 2010 em relação ao mesmo período de 2008. Os dados são do Ministério da Indústria, Desenvolvimento e Comércio Exterior (Mdic).



Nem sempre, contudo, esse aumento de importação representa uma ameaça ao fornecedor brasileiro. Parte das importações é feita pela própria indústria, que compra mercadorias de fábricas do mesmo grupo, localizadas em outros países, ou de parceiros.

A Mallory prevê aumento de 20% no faturamento com a venda de importados em 2010, na comparação com a média dos dois anos anteriores. Trata-se de um crescimento menor do que a elevação de 30% prevista para as vendas gerais, que incluem a comercialização de produtos que a Mallory produz nas fábricas do Ceará.

Paulo Braga, diretor-superintendente da Mallory, explica que o crescimento menor dos importados não se deve à baixa demanda dos produtos que a empresa traz do exterior, mas à grande competição. "Tenho certeza de que a demanda aumentou muito mais, mas o câmbio e a perspectiva de crescimento da economia provocaram uma enxurrada de marcas novas no mercado", diz. "Tudo o que se importa se vende. Eu gostaria de conseguir prazo para importar e vender mais."

A maior parte dos produtos importados pela Mallory no Brasil sai das linhas de produção de duas fábricas em território chinês, que integram o mesmo grupo espanhol Taurus. Existe também a compra complementar de produção de terceiros.

Atualmente, os importados representam 35% do faturamento da empresa. Os principais itens são sanduicheiras, secadores de cabelo, cafeteiras, barbeadores e cortadores de cabelo. Os demais 65% da receita vêm da produção nacional de ventiladores, liquidificadores, batedeiras e ferros de passar.

O maior volume de importados no mercado e a maior competição com eles não passaram despercebidos pela Black&Decker. Segundo o presidente Paulo Martins, a empresa deve fechar 2010 com crescimento geral de vendas entre 20% e 25% em relação ao ano passado. O crescimento da linha de importados, porém, deve ficar em 8%. "A concorrência com as demais indústrias e com os importadores está muito grande", explica.

No ano passado, lembra Martins, muitas empresas, que são totalmente, ou predominantemente, importadoras, tiraram o pé do acelerador em suas compras. No primeiro semestre de 2009, conta o executivo, o dólar chegou a R$ 2,25, o que desestimulou as importações. Por isso, no ano passado, lembra, o crescimento das receitas relacionadas aos produtos importados foi de 18% na comparação com 2008.

A venda de importados da Black&Decker acabou puxando a elevação total de faturamento, que ficou num patamar menor, de 13%. "O fato de termos produção nacional, e não somente importação, permitiu um ajuste de preços que manteve a competitividade."

Agora, porém, com dólar abaixo de R$ 1,80, diz Martins, a empresa voltou a ter a concorrência daqueles que são apenas importadores, o que provoca um crescimento menor na venda dos produtos desembarcados de fora. Entre os itens mais importados pela Black&Decker estão tostadores, grills, fornos, aspiradores, secadores de cabelo e mixers. Eles representam atualmente 25% do faturamento da empresa. Os 75% restantes estão baseados na produção nacional, na qual se destacam liquidificadores, batedeiras e ferros de passar.

Martins explica que a concorrência com os importadores já não está mais restrita a um nicho específico de produtos. "Há de tudo, desde os produtos mais baratos até os mais sofisticados. Há demanda do público que busca produtos mais caros, mas também das classes C e D."

Nas prateleiras das lojas de varejo é evidente a predominância dos importados em produtos de diferentes faixas de preços. Numa visita a um grande varejista, a reportagem verificou que os oito modelos disponíveis na prateleira de cafeteiras elétricas foram fabricados na China, com marcas da Black&Decker, Britânia, Electrolux, Mondial e Arno.

Dos sete modelos disponíveis de aspirador de pó, seis foram desembarcados da China, que fabricou não só o modelo mais barato, como também o mais caro disponível na loja. A predominância de chineses não acontece, porém, rigorosamente, em todos os produtos. Os seis modelos ofertados de batedeira na mesma loja, por exemplo, eram todos fabricados no Brasil.

Rafael Bistafa, economista da Rosenberg & Associados, diz que , além do câmbio mais favorável, a forte onda de importados se explica também com a perspectiva de crescimento econômico para 2010 em patamar superior a 2008. Para este ano, a consultoria estima crescimento de 7,5%, maior do que os 5,1% de 2008. "A produção nacional não está conseguindo acompanhar o ritmo de crescimento econômico e por isso há a elevação da importação para suprir o mercado."

Bistafa destaca também um quadro de mercado internacional hoje diverso do de 2008. "Os países ricos não estão importando agora tanto quanto compravam antes", diz, o que está resultando numa oferta maior de produtos e aumento da competição por mercados como o Brasil.

A forte expansão já fez algumas empresas se mexerem para aumentar a produção e, assim, elevar a competitividade com outros fabricantes nacionais e com os importadores.

A Mallory, diz Braga, decidiu no início de 2010 investir numa nova planta. O plano foi colocado em ação rapidamente. A nova fábrica no Ceará já entrou em operação e a partir de novembro estará em atividade total, o que dará à empresa aumento de 65% na capacidade para reforçar a produção das linhas que já mantém no país. "Não estamos nos preparando somente para 2010, mas também para o ano que vem", explica o executivo.