Apesar de o câmbio ter-se tornado a grande vedete dos debates econômicos nos últimos tempos, ainda é grande o nível de desinformação acerca da legislação cambial brasileira. Foi o que mostrou um debate acadêmico recente em que foram apontados vários equívocos e impropriedades frequentes - ora mais evidentes, como as referências a dois mercados de câmbio no Brasil e à expressão câmbio turismo, comuns no noticiário econômico; ora mais sutis, como certas restrições infundadas, de corte conceitual ou ideológico, à expressão controle cambial.
E isso é grave. De um lado, por reforçar assimetrias que tendem a favorecer os agentes autorizados do mercado de câmbio em detrimento, sobretudo, de quem tem menor poder de negociação. De outro, quando limita a análise de questões cambiais relevantes como, por exemplo, a da valorização do real como decorrência da "enxurrada" de moeda estrangeira que tem entrado no Brasil. Nesse sentido, é preocupante ver a abordagem do tema da guerra cambial limitada a três questões: a aquisição de dólares pelo Banco Central (BC), que aumenta as reservas internacionais, mas onera as contas públicas; a participação do Fundo Soberano ou do Tesouro Nacional, que têm seus limites; e a imposição de IOF aos investimentos estrangeiros de portfólio.
Isso contrasta fortemente com as grandes vias abertas pelo incrível arsenal jurídico-cambial de que dispõe o País desde a década de 1960, tendo à frente as Leis n.º 4.131/62 e 4.595/64, que, com notável plasticidade conceitual e ampla capacidade normativa deferida ao Conselho Monetário Nacional (CMN) e ao BC, forneceram os principais elementos para a ação pública, "pró" ou contracíclica, com que foram enfrentados os mais diversos cenários econômicos internos e internacionais.
Com efeito, uma revisão das principais questões cambiais das décadas de 1970 e 1980 mostra, por exemplo, o intenso uso feito pelo CMN de diferentes regimes de depósitos referenciados em moeda estrangeira, no BC, que viabilizaram desde políticas de hedge para tomadores de recursos externos até medidas de controle monetário em relação a ingressos de divisas.
Alguns dos normativos empregados, como a Resolução 432 e a Circular 230, se tornaram emblemáticos. Isso para não falar do criativo sistema de depósitos utilizado na renegociação da dívida externa, com destaque para o mecanismo do Deposit Facility Agreement (DFA). Ou o da Resolução 1.460, relativa à conversão de dívidas em investimento. E assim por diante.
Daí a avaliação de alguns analistas de que um regime de depósito obrigatório no BC, não remunerado e com prazos adequados (digamos, 360 dias), para uma parcela dos novos ingressos de capitais (30% a 50%, talvez) destinados, por exemplo, a aplicações de renda fixa, poderia se tornar um instrumento potente para controlar o inflow cambial e, ao mesmo tempo, reduzir a compra de dólares pela autoridade. De fácil operacionalização, não exigiria ações de esterilização monetária nem traria riscos relevantes de exposure cambial ao BC, visto que os recursos ficariam no exterior em conta da autoridade e seriam devolvidos, ao final, na mesma moeda. Ademais, os rendimentos da sua aplicação pelo BC ajudariam a mitigar um pouco, indiretamente, o custo de manutenção das reservas. No mais, em termos jurídicos configuraria mera regra de acesso que, sendo adotada apenas para novos ingressos, não caracterizaria "mudança de regras no meio do jogo".
Essa seria, claro, só mais uma das várias armas passíveis de uso pelo governo, entre as quais se incluem, por exemplo, o IOF (já adotado), ou a chamada quarentena para alguns tipos de investimento, ou a contenção do uso de linhas de crédito externas, pelos bancos, nas vendas de moeda estrangeira ao BC. Isso para não entrar na seara da Selic ou, ainda, do Imposto de Renda aplicável a alguns investimentos de portfólio.
Portanto, em matéria de guerra cambial, a legislação atual não constitui, por certo, fator impeditivo de uma ação ainda mais enérgica do País.
José Luiz C. Vieira
DOUTOR EM DIREITO ECONÔMICO PELA USP, É PROFESSOR DO INSPER
Fonte: O Estado de S.Paulo