G-20 tenta obter um acordo mínimo sobre guerra cambial

Às vésperas da reunião de cúpula dos presidentes do G-20, na quinta e sexta-feira, em Seul, Coreia do Sul, todos os esforços estão sendo feitos para evitar o fracasso do encontro. O desequilíbrio nas relações comerciais internacionais, causado pelo deliberado enfraquecimento do dólar e da moeda chinesa, passou a ser o principal assunto da pauta de discussões, deixando em segundo plano outros temas como a nova regulação do sistema financeiro.

O clima esquentou quando os Estados Unidos anunciaram, na semana passada, nova injeção de liquidez nos mercados, por meio da recompra de títulos - o chamado afrouxamento quantitativo -, para estimular a economia. O Federal Open Market Committee (Fomc), o comitê de política monetária do Federal Reserve (Fed, banco central americano), aprovou mais um programa de recompra de títulos do Tesouro em poder dos bancos, que vai jogar no mercado US$ 75 bilhões por mês, até o fim do primeiro semestre de 2011, somando US$ 600 bilhões. A injeção total de dólares chegará a US$ 900 bilhões com a canalização de outros recursos também para a compra de títulos.

O governo americano já havia gasto US$ 1,75 trilhão em um programa desse tipo, que terminou no primeiro semestre sem resultados significativos na reativação da economia, mas com o grave efeito colateral de vazar parte desses recursos para o exterior, em busca de melhores retornos em mercados emergentes como o Brasil, que se saíram melhor da crise.

A inundação de dólares enfraqueceu a moeda americana e apreciou quase todas as demais, acentuando os desequilíbrios comerciais. A exceção é a China, que tira proveito da situação ao manter sua moeda atrelada ao dólar, e consolida sua posição no comércio internacional.

Para os Estados Unidos, com desemprego elevado, mercado interno fraco e déficit crônico em conta corrente, é muito interessante ganhar o mercado internacional com uma moeda enfraquecida. O presidente Barack Obama, que acaba de sair de uma das maiores derrotas dos democratas nas urnas, disse, nesta semana, em Nova Déli, que "o que estimula o crescimento dos Estados Unidos ajuda a causa global", ressuscitando a velha máxima de que o que é bom para os Estados Unidos é bom para o mundo. Nesse caso, Obama não deixa de ter razão, segundo o presidente do banco central de Israel, Stanley Fischer. Se os Estados Unidos voltarem a crescer, diz Fischer, todos podem voltar a exportar para o mercado americano.

Mas a reação contrária ao novo programa americano foi grande no resto do mundo. Em resposta, o presidente do Tesouro dos Estados Unidos, Timothy Geithner, lançou a proposta de se limitar os déficits e superávits comerciais dos países a 4% do Produto Interno Bruto (PIB). Quando essa barreira fosse superada, as contas seriam ajustadas.

Criticados por vários países, os Estados Unidos recuaram. Em vez de limitar o resultado em conta corrente, propõem agora a criação de um sistema de "alertas prévios" que indiquem quando os países acumulam déficits ou superávits excessivos, que devem ser corrigidos. Resta definir esses parâmetros e qual organismo vai fiscalizar e acompanhar as correções, tarefas que muito provavelmente ficarão a cargo do Fundo Monetário Internacional (FMI). A Alemanha, segundo maior exportador do mundo após a China, parece já estar envolvida nessa tarefa.

Mas o G-20 também deverá discutir as propostas de controle de capital sugeridas pelo Brasil, que considera um direito dos mercados emergentes limitar os fluxos que acentuam a valorização cambial.

Correndo por fora, surgiu a proposta do presidente do Banco Mundial, Robert Zoellick, de que os países devem retomar o padrão-ouro para evitar solavancos nas moedas. Chamado de Bretton Woods II, o projeto foi recebido com bastante ceticismo. Segundo Zoellick, dólar, euro, iene, yuan e libra também devem ser envolvidos. O padrão-ouro, sistema em que as moedas devem ser lastreadas em reservas de ouro, prevaleceu até o acordo de Bretton Woods, fechado no fim da Segunda Guerra Mundial. Pelo acordo, o câmbio das moedas era fixo em relação ao dólar, que era conversível em ouro - o chamado padrão dólar-ouro. Os ativos de reserva eram o ouro, o dólar e o direito especial de saque (DES), a moeda do FMI. Mas, em 1971, os Estados Unidos romperam a conversibilidade do dólar em relação ao ouro e o câmbio passou a flutuante.

Fonte: Valor Econômico