Dúvidas sobre a trajetória do fluxo de capital externo

Valor Econômico - 05/05/2011

Estarão, finalmente, fazendo efeito as medidas tomadas pelo Banco Central (BC) para conter a apreciação do real ou o mercado está reagindo à queda das commodities e à perspectiva de mudança da política econômica americana?

A dúvida nascida após a desvalorização do real nos últimos dias - o dólar chegou a R$ 1,61 pela primeira vez desde o início de abril - disseminou-se após a divulgação dos dados do fluxo cambial do mês passado. O balanço do câmbio das operações financeiras ficou negativo em R$ 1,8 bilhão, primeira vez em cinco meses, o que indica que as saídas de capital superaram as entradas. As operações comerciais acabaram cobrindo as saídas, levando o resultado final a R$ 1,5 bilhão, apenas cerca de 10% da média mensal de R$ 11,8 bilhões dos três meses anteriores.

Mesmo com a forte redução do saldo do movimento cambial de abril, o acumulado no ano chegou a US$ 37,1 bilhões, bem acima dos US$ 24,354 bilhões acumulados em todo o ano passado.

O apetite do investidor estrangeiro pelo Brasil tem sido suficiente para financiar o déficit em conta corrente e garantir o superávit do balanço de pagamentos.

A entrada de investimentos estrangeiros diretos (IED) acumulou US$ 17,473 bilhões no primeiro trimestre, três vezes mais do que os US$ 5,512 bilhões de igual período de 2010. Em doze meses, o investimento estrangeiro direto soma US$ 60,4 bilhões e o desempenho do primeiro trimestre anualizado projetaria um resultado de US$ 70 bilhões. As estimativas para o ano são, porém, mais modestas, em torno de US$ 55 bilhões, de toda forma acima dos US$ 48,4 bilhões de 2010.

A forte entrada de dólares nos últimos meses ocasionou a apreciação do real, afetando a competitividade das exportações brasileiras. Para tentar deter a elevação do real, o governo criou restrições ao capital externo de curto prazo. Entre as medidas tomadas, foram tributadas com IOF as aplicações estrangeiras em renda fixa, as captações externas de até 360 dias e as compras feitas com cartão no exterior. Além disso, foi criado um compulsório para inibir as apostas dos bancos na apreciação do real.

Os investimentos estrangeiros em carteira e em ações acusaram o golpe. As restrições às captações de curto prazo incentivaram operações mais longas. A taxa de rolagem das captações de médio e longo prazo foi de 451%.

De toda forma, a conta de capital e financeira cobriu a conta corrente deficitária em US$ 5,676 bilhões em março, acima dos US$ 3,5 bilhões de fevereiro, totalizando US$ 14,6 bilhões no primeiro trimestre e US$ 49,7 bilhões em doze meses.

A piora do déficit em conta corrente pode ser atribuída principalmente ao aumento dos gastos com serviços (US$ 3,1 bilhões em março, acima dos US$ 2,2 bilhões de fevereiro) e, principalmente, com viagens ao exterior (US$ 1 bilhão em comparação com US$ 761 milhões no mês anterior). Os gastos dos brasileiros com viagens internacionais aumentaram 47% em um ano e estão bastante aquecidos. Por isso, o governo aumentou de 2,38% para 6,38% o IOF sobre as compras com cartão de crédito no exterior a partir do fim de abril. Os efeitos da medida só serão sentidos nos próximos levantamentos.

Houve também o aumento das remessas de lucros e dividendos, de US$ 2,8 bilhões em fevereiro para US$ 3,7 bilhões em março, que pode diminuir nos próximos meses por motivos sazonais.

Apesar de tudo, o déficit em conta corrente tem ficado estável em 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) e o balanço de pagamentos exibe superávit pelo 26 º mês consecutivo, estabilizando-se ao redor de US$ 9 bilhões por mês neste ano. Em março, foi de US$ 9,5 bilhões, acumulando US$ 27,649 bilhões no trimestre, quatro vezes mais do que os US$ 6 bilhões de igual período de 2010. Em doze meses, o superávit acumulado é de US$ 70,6 bilhões.

O desempenho animou os bancos a apostarem na apreciação do real. As apostas estavam em US$ 16,8 bilhões no início do ano. Depois que o Banco Central aplicou o compulsório sobre essas posições, caíram para US$ 8,8 bilhões em março, mas voltaram a subir para US$ 11,7 bilhões no fim de abril.

O desempenho das contas externas é admirável. Sua continuidade depende não só de o Brasil manter o interesse do investidor estrangeiro mas também do cenário global, que pode estar começando a mudar.

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