O emergente favorito da UE

Conexão Diplomática - Silvio Queiroz
Correio Braziliense - 21/05/2011

Não são apenas os visitantes oficiais de primeiro escalão, além dos diplomatas, que colocam o Brasil na posição de sócio mais íntimo da Europa entre os paí-ses emergentes. Em visita ao país para a série de palestras “Conversas do nosso tempo”, promovida pela Aliança Francesa, o cientista político Zaki Laïdi falou para a coluna sobre o lugar da França e do Brasil na geopolítica da globalização. Laïdi, diretor de pesquisas do Instituto de Estudos Políticos de Paris, o Sciences Po, alerta também sobre o fantasma que anda assombrando o Velho Continente: “O desafio chinês não é apenas para a Europa e os EUA, mas para o mundo todo”.

Brasil e França têm tido muitas coincidências nas questões internacionais, mas tomaram posições divergentes quanto à intervenção na Líbia. Como o senhor vê essa questão?

Os dois países não têm exatamente a mesma relação com a soberania. O Brasil, e em geral os países em desenvolvimento, se identifica com uma compreensão estrita e clássica da não intervenção. A Europa tem hoje uma visão mais relativizada, até pela experiência de soberania compartilhada no âmbito da União Europeia. Em relação a direitos humanos, por exemplo, os europeus têm uma consciência crescente de que é uma questão que se sobrepõe. Vocês consideram a soberania um valor absoluto, nós não.

O protagonismo assumido pelo presidente Sarkozy na Líbia reflete uma reafirmação da diplomacia francesa?
Sim, isso representa também uma reafirmação, mas não simplesmente o aproveitamento cínico de uma situação. A intervenção obedece a princípios. Tomamos a iniciativa sobre a Líbia em parceria com os britânicos, independentemente dos Estados Unidos, o que é também um marco. Eu digo que esse é o fim do ciclo de Suez, quando a França e o Reino Unido eram potências coloniais e não aceitavam nacionalismos em seus domínios. Combatemos Nasser, no Egito, e resistimos à independência da Argélia. Os britânicos, depois da derrota política sofrida em Suez, concluíram que a melhor maneira de sobreviver politicamente era aliando-se aos EUA. A França, ao contrário, considerou que o melhor seria se afastar dos EUA. Foi sempre o fator americano que nos separou de Londres, inclusive na guerra do Iraque. Agora, há uma mudança estrutural: o fator americano não é mais fator de divisão, porque Washington entendeu que a parceria é com a Europa. Para o futuro político europeu, de um ponto de vista estratégico, houve na Líbia uma imensa decepção com a Alemanha, que optou por se abster, alinhada com Rússia e China.

Qual o lugar do Brasil nesse relançamento diplomático da França?
Hoje em dia, há um interesse crescente pelo Brasil do ponto de vista estratégico. Em primeiro lugar, porque o Brasil se tornou um ator de relevo no sistema internacional, como China, Índia, Turquia e outros emergentes. É quase de um realismo elementar levá-los em conta. Temos divergências, mas isso é normal. Há também importantes convergências, como na preferência pelo multilateralismo, expressa na ratificação dos 40 textos principais da ONU sobre a governança mundial. É interessante comparar as diferentes atitudes dos países nessa questão, pois dois atores se destacam: a UE já ratificou 37 e o Brasil, mais ou menos o mesmo número. Os países com menor número de ratificações são EUA, China e Índia. Para mim, entre os emergentes, aquele que tem mais proximidade histórica com a Europa é o Brasil.

Isso não deveria favorecer as relações, inclusive o acordo de associação entre UE e Mercosul?
Para o Brasil, a Europa é um parceiro entre outros nos quais o país aposta para não ter uma relação de exclusividade com os EUA. O Brasil tem uma estratégia mais ampla, que inclui os Brics e o fórum Ibas. Nós, europeus, deveríamos também fazer um esforço extra em direção ao Brasil. As relações estratégicas hoje em dia são mais fluidas, com uma nova lógica de blocos. Há convergência com alguns em certos assuntos, e com outros em outros temas. E, é bom que se diga, as relações entre polos são mais iguais, e é melhor assim.

Essa atitude europeia decorre apenas do medo de perder mercados para a China?
No mundo globalizado de hoje, os mercados que mais crescem estão nos países emergentes. As exportações europeias para o Brasil são baixas em relação ao potencial de crescimento. Quanto ao Brasil, se quer se afirmar como ator na cena mundial, tem que se relacionar mais. O Brasil tem relações próximas com a China em alguns assuntos, mas ao longo dos anos vai perceber que o desafio chinês não é apenas para a Europa e os EUA, mas para o mundo todo. A China tem custos de produção bem menores que os de vocês, e isso vai se fazer presente, mais cedo ou mais tarde.

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