A hora de colher

Brasil S.A - Antônio Machado
Correio Braziliense - 11/05/2011

Coteminas cria empresa agrícola e desafia o longo reinado das tradings estrangeiras no país

Suponha que a comercialização das imensas reservas de petróleo do pré-sal fosse totalmente entregue a empresas multinacionais. Nunca se achou isso aceitável. Pois é o que acontece com a agricultura.

O país é o primeiro ou o segundo maior produtor e exportador global de várias culturas, como soja, açúcar e café, além de recordista em produtividade, mas um punhado de tradings estrangeiras domina a comercialização. Elas impõem as condições, conforme diretrizes das matrizes no exterior, como fizeram na crise do crédito no fim de 2008, ao deixar de financiar produtores de grãos no Centro-Oeste.

Foi só mais um contratempo no longo histórico de conflitos entre produtores rurais e o poderoso clube das tradings multinacionais. Mas talvez por pouco tempo, de acordo com a proposta e objetivos da primeira trading de controle majoritário nacional, constituída em São Paulo pelo industrial Josué Gomes da Silva, da Coteminas, e por Paulo Roberto Moreira Garcez, ex-sócio da Multigrain — uma trading atualmente sob controle integral da japonesa Mitsui.

Com o nome de Cantagalo, para homenagear o seu pai — o ex-vice-presidente da República José Alencar, que assim registrara a sua primeira fazenda, em Minas Gerais —, Josué estudava desde o fim de 2009 investir no setor agrícola, instigado por Garcez, parceiro e amigo desde quando a Coteminas comprava algodão das tradings que o executivo dirigiu, como a Glencore, da Suíça, e a ADM, dos EUA.

Ambos viram a oportunidade surgir quando outro sócio da Mitsui, a CHS, dos EUA, passou a operar direto no Brasil e se desinteressou pela sociedade na Multigrain. A CHS queria vender a sua parte aos outros sócios. A Mitsui queria ficar. Garcez começou a planejar o voo solo, com ou sem a Multigrain, e convidou Josué a vir com ele.

Um consultor os ajudou a formatar o nexo do negócio. A família de Josué tinha fazendas dispersas. Garcez tinha outras. Um amigo dos dois, o agricultor Vilson Vian, da GFN Agrícola, queria expandir-se. O trio decidiu juntar as terras, plantadas com soja, milho e algodão, surgindo dessa fusão a Cantagalo General Grain.

A nova empresa agrícola emerge com 151 mil hectares plantados em Minas, em Mato Grosso, em Goiás e no Piauí, já localizou o dobro dessa área para aquisições e está com a trading montada. No papel, a Cantagalo já é a sexta ou sétima maior empresa agrícola do país, numa lista liderada pelo grupo SLC, de controle familiar e capital aberto, com 312 mil hectares entre terras próprias e arrendadas.

Trading verde-amarela
Três diferenciais projetam a expansão da Cantagalo. O primeiro é a preferência por cultivar terras próprias. O segundo, a estrutura de trading. E, enfim, o road show junto a investidores potenciais, visando uma capitalização privada em ações para formar um colchão destinado à compra de terras e a alavancar os negócios da trading.

A meta de 300 mil hectares plantados está prevista para logo, tal como as redes de logística e armazenagem, fechando o tripé de um negócio integrado, com produção, comercialização e distribuição.

É o modelo das grandes tradings internacionais. E é também o que faltava ao agronegócio, na visão de estrategistas do setor: uma forte operação comercial focada nos interesses nacionais, como no mercado externo de carne, hoje liderado por empresas brasileiras.

Preço formado lá fora
Bunge, Cargill e ADM, dos EUA, e Louis Dreyfus, da França, entre as grandes, pela ordem, além da Mitsui, do Japão, Noble Grain, de Hong Kong, e outras menores, como Chinatex, recém-chegada ao país, controlam o mercado brasileiro e mundial de grãos, influenciam os preços em bolsas de commodities, financiam o agricultor, operam logística própria e fabricam e distribuem os principais insumos.

É nesse cenário desafiador e promissor que se concebe a Cantagalo — com produção agrícola própria e operação comercial aberta para o mercado, competindo com as grandes tradings inclusive no exterior.

Vantagens comparativas
A premissa assumida por Josué e Garcez presume como tendência de longo prazo o mercado de commodities agrícolas pressionado, ainda que com oscilações conjunturais, com o Brasil se firmando como um dos grandes provedores da demanda. Já há a percepção de que o país é um dos celeiros do mundo. Outras vantagens comparativas estão em evidência, como a disponibilidade de água e de terras, mesmo excluídas as áreas de proteção permanente. A agricultura também é dos poucos setores em que o país dispõe de tecnologia, embora ainda tenha uma relação de dependência em insumos estratégicos, como fertilizantes e sementes, e para vender o que produz. Talvez comece a mudar.

A maioridade do campo
O agronegócio está na moda, e não passa mês sem que as instâncias do governo ligadas ao setor recebam sondagens de investidores de fora. A restrição reafirmada pelo governo Lula à concentração de áreas agricultáveis pelo capital estrangeiro não deve mudar com a presidente Dilma Rousseff. O receio é que fundos soberanos comprem grandes extensões, para garantir produção cativa de alimentos aos seus mercados. Nesse cenário, a soberania brasileira é que estaria em risco, sobretudo quando, na outra ponta, há países como a China.

Empresas agrícolas nacionais fortes e capitalizadas seriam o meio de não excluir a participação desses capitais, mas sem o risco de perda do controle de decisão. Está aí a maioridade do agronegócio.

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