Brasil S.A - Antônio Machado
Correio Braziliense - 08/05/2011
Assunto polêmico no Brasil e EUA, a ameaça de desindustrialização pode não ser o que parece.
A atualização da base de dados da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o Produto Interno Bruto (PIB) global e por país lança mais luzes sobre a polêmica, que não ocorre só no Brasil, sobre a temida desindustrialização. À primeira vista, a tendência é geral, exceto na China, embora sem implicar o fim de setores industriais.
Nos EUA, onde a discussão é ainda mais acirrada pelo desemprego, o assunto encabeça a queda de braço do governo Barack Obama com Pequim e já entrou no debate sobre sua sucessão em 2012. Lá, mais que aqui, atribui-se o fenômeno ao outsourcing da indústria para a China, com a migração de fábricas inteiras, além de acordos para a montagem ou a fabricação terceirizada, como fazem a Apple e a Nike.
O caso do iuan renminbi hiperdepreciado é apenas um dos fatores, pois a transposição da indústria dos EUA para a Ásia em geral, não só para a China, foi motivada pelo baixo custo de produção, sobretudo da mão-de-obra e de impostos, e pela maior liberalidade ambiental.
A vantagem do renminbi em relação ao dólar e outras moedas, como o próprio real, é parte da questão porque a China atrelou o câmbio ao dólar e se imunizou da desvalorização induzida pelos EUA — 40% desde 2001 sobre a cesta de moedas de seus parceiros comerciais.
A força do real se deve em grande parte à desidratação do dólar. Que, no entanto, não afeta a China. O custo dessa política para os chineses é o impressionante saldo de reservas — US$ 3,1 trilhões, quase dois terços em moeda e títulos de dívida do Tesouro dos EUA.
Pois bem: quais as consequências desse choque de titãs? A China ganhou, tornando-se o que chamam de “fábrica do mundo”, e os EUA perderam. Mas quanto perdeu? E a perda é relativa ou absoluta? As perguntas definem a situação da indústria nos EUA. E ajudam também a entender o que se vem passando no Brasil e no resto do mundo.
Em preços correntes, o peso da indústria sobre o PIB dos EUA caiu de 25% em 1970 para 12,9% em 2009. Mas a fatia da indústria global sobre o PIB do mundo também definhou, de 28% para 16,6% (veja em http://unstats.un.org/unsd/snaama/downloads/Download-GDPcurrent-USD-countries.xls). No Brasil, segundo os dados da ONU, recuou de 24,6% do PIB em 1970 para 13,3% em 2009. Na Austrália, de 21,3% para 9%. Canadá, de 21,7% para 11,3%. Alemanha, de 35% para 19%. Japão, de 35% para 20%. E o que ocorreu com a indústria na China?
Serviços crescem mais
Na China, de 1970 a 2009, o naco da indústria sobre o PIB ficou praticamente constante, oscilando entre 35% e 40%. Um desempenho extraordinário, pois, proporcionalmente ao PIB, a indústria murchou em todo o mundo. Mas como na média a produção mundial é hoje maior que há 40 anos em termos nominal e real, abatendo a inflação, isso significa que outras atividades é que cresceram mais. E não que a indústria, necessariamente, tenha mirrado nos EUA ou no Brasil.
As atividades de serviços, como hotelaria, comércio, o mercado financeiro e a chamada economia criativa — um conceito que pega de eventos culturais ao desenvolvimento de software e games — é que têm crescido muito mais rápido do que a produção industrial.
Agricultura fez igual
O professor da Universidade de Michigan Mark Perry, animador do blog Carpe Diem, muito concorrido, está convencido de que a China não é o monstro que pintam nos EUA. E até conclui que a indústria vai bem, obrigado, apesar da anemia geral da economia americana.
Perry compara a indústria com a perda de participação relativa no PIB da agricultura dos EUA (semelhante ao que ocorre no Brasil). A produção agrícola, que equivalia a 9% do PIB dos EUA em 1948, em 2002 estava abaixo de 1%. Mas, diz ele, os EUA produzem hoje mais alimentos que em qualquer momento da história — e ao menor custo sobre a renda disponível (cerca de 10%, contra 25% no Brasil).
Produtividade diz tudo
O “milagre” do campo nos EUA atende pelo nome de produtividade, o que fez com que a maior agricultura do mundo empregasse apenas 2,5% do emprego total, contra 12% em 1950 e mais de 80% no século 19.
No confronto entre EUA e China, tais relações são mais dramáticas. A indústria de transformação da China, segundo a consultoria IHS Global Insight, se tornou a maior do mundo em 2010, com uma fatia global de 19,8%, contra 19,4% dos EUA, a segunda maior. É quase um empate. Só que os EUA empregam apenas 11,5 milhões de pessoas para produzir tanto quanto a China faz com 99 milhões de operários. Se ainda é competitiva, só pode ser porque tem custos muito baixos — sua vantagem campeã. E também sua imensa fraqueza em médio prazo.
Risco de comoditização
A polêmica é inesgotável. É fato que o mundo rico perdeu várias indústrias, talvez para sempre, como têxteis e eletroeletrônicos. No Brasil, o setor têxtil já sofre intensa concorrência externa. O que resta de eletrônicos é linha de montagem de partes importadas.
E que não houvesse redução absoluta de produção, e não há, dado o nível de utilização da capacidade instalada. É elevado, apesar do avanço das importações. Mas pode estar havendo internacionalização profunda das cadeias produtivas. E sem que tenhamos diferenciais de inovação que prendam ao solo algumas atividades, especialmente de ponta — como nos EUA, que, além disso, sabem “criar” demandas. Vide a Apple. O risco de comoditização do país é real, vai crescer com o pré-sal, e serviços empregam muito, mas não pagam a conta.
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