Mario Garnero - Décadas percorrendo o mundo em busca de dólares para financiar o desenvolvimento brasileiro.

Autor(es): Carlos José Marques e Luiz Fernando Sá
Isto é Dinheiro - 16/05/2011

Mario Garnero, presidente do Grupo Brasilinvest

"Dilma lembra mais JK do que Lula"
O empresário Mario Garnero, presidente do Grupo Brasilinvest, passou as últimas quatro décadas percorrendo o mundo em busca de dólares para financiar o desenvolvimento brasileiro.

Negociou com os mais poderosos investidores do planeta, dialogou com os líderes mais influentes e teceu uma rede de relacionamentos capaz de abrir portas em praticamente qualquer nação nos cinco continentes. Embaixador informal do País, ele circulou com tamanha naturalidade pelo poder que seu escritório, no alto de uma torre com vista panorâmica para a região dos Jardins, em São Paulo, transformou-se em passagem obrigatória para quem busca análises aprofundadas sobre economia, diplomacia e comércio internacional.

É assim desde os tempos de Juscelino Kubitschek, com quem manteve uma relação de amizade que resistiu até a véspera da morte do ex-presidente, em 1976. A história e as lições dessa convivência se transformaram no livro JK, a Coragem da Ambição, que Garnero acaba de lançar. Nesta entrevista, ele fala dos desafios atuais da economia brasileira e, inspirado em JK, sugere metas para o governo de Dilma Rousseff.

DINHEIRO – Qual é a visão dos investidores estrangeiros sobre o atual momento brasileiro?
MARIO GARNERO – Anos atrás, fazíamos eventos para promover o Brasil em reuniões do conselho de administração do Brasilinvest. Era um negócio bonito, repleto de investidores extremamente simpáticos. Todos prometiam voltar a falar, tomar um café, almoçar, mas, na prática, quase nenhum chegava junto. Agora, nós temos fila aqui, dá para colocar uma catraca e controlar a entrada.

DINHEIRO – Essa confiança não está abalada? Houve saída de capitais da bolsa nas últimas semanas.
GARNERO – Não há abalo, mas precisamos tomar cuidado com duas coisas. Esse recuo dos capitais decorre, sobretudo, do medo da inflação. Projetada no nível que está hoje, vamos chegar próximo dos 10% ao ano. É uma faixa altíssima. Se essa taxa prevalecer, os US$ 65 bilhões previstos para entrar no Brasil vão se reduzir à metade.

DINHEIRO – Por que tamanho efeito?
GARNERO – Primeiro, porque a inflação vai ter impacto inicialmente sobre o poder de compra do brasileiro. Segundo, porque toda essa sede de investir do Brasil está associada à estabilidade da nossa economia. Se isso se perde, perde-se também o interesse estrangeiro no Brasil.

DINHEIRO – Qual o segundo cuidado que devemos tomar?
GARNERO – Há anos defendo que exista uma coordenação maior no comércio exterior brasileiro. O ministro (Fernando) Pimentel (da Indústria, Comércio e Desenvolvimento), que é muito competente, já está fazendo isso, mas precisa ir além. O Brasil, para viver tranquilo e de forma sustentável, tem de fazer saldos comerciais de US$ 30 bilhões, no mínimo, por ano. Em abril passado, que foi ótimo, tivemos US$ 5 bilhões de saldo, mas isso não pode ser apenas um soluço. Se tivermos esses US$ 30 bilhões e uma inflação na casa dos 5% anuais, teremos um desenvolvimento chinês.

DINHEIRO – E como alcançar os US$ 30 bilhões?
GARNERO – Hoje, para exportar, é preciso correr a vários ministérios, cada um com exigências e tarifas próprias. É preciso ter alguém que determine as linhas gerais de um programa de exportação, tenha acesso direto à Presidência e resolva rápido. É preciso reduzir a burocracia da exportação. Hoje são necessários pelo menos dez documentos para fazer uma exportação. Na Alemanha, apenas dois. A presidente Dilma tem de chamar isso à sua responsabilidade.

DINHEIRO – A questão do câmbio não é um empecilho ao aumento das exportações
GARNERO – Não devemos imaginar uma intervenção no câmbio. Uma economia forte chama uma moeda forte. Então , como se pode agora depreciar o real em relação ao dólar? Não é possível. A Alemanha não fez isso quando o euro se valorizou, passando de US$ 1,10 para US$ 1,56. O que eles estão fazendo é produzir e vender como nunca. Não é uma questão apenas de câmbio. É uma questão de logística, de inovação, de burocracia. Eles compensam o câmbio com outros mecanismos. Dez por cento da nossa produção de grãos, por exemplo, fica nas estradas. Os impostos aqui são a coisa mais descabida. O Brasil é o maior exportador de custos e de buracos.

DINHEIRO – Qual é o impacto do custo Brasil?
GARNERO – Estimo que seja de 20% a 25% do preço de uma mercadoria. É como valorizar o dólar. Com mais 25%, ele iria a R$ 1,90. Por isso é que insisto com os empresários que eles têm uma visão equivocada do dólar. A moeda que está barata aqui permitiu que nós fizéssemos investimentos e levássemos o Brasil a exportar US$ 150 bilhões. As queixas contra o câmbio são o subproduto da desorganização brasileira. Recentemente participamos de um acordo de US$ 800 milhões com a Arábia Saudita para exportação de coque metalúrgico para a Alcoa, que está construindo lá uma grande usina de alumínio. Foi para lá porque o custo da energia é de US$ 0,24 por kilowatt/hora. No Brasil, é de US$ 2,80. Assim não temos condições de competir. O custo Brasil e o custo burocrático são maiores e mais nefastos para o País do que o câmbio e os juros.

DINHEIRO – Muitos dizem que a inflação foi herdada do final do governo anterior e tenderia a cair agora. Isso é real?
GARNERO – O presidente Lula deixou a inflação se acelerar no fim do seu governo. Da mesma forma, quando ele assumiu, a inflação anualizada deixada por Fernando Henrique era de 25%. Ele esteve aqui durante a campanha e eu disse a ele que, com aquele programa original do PT, poderia até ganhar a eleição, mas em seis meses estaria em impeachment. E que o caminho para ele fazer algo grande em sua gestão era apertar o controle na questão mais importante: a inflação. Foi o que ele fez nos dois primeiros anos. Agora, o que acontece é uma repetição daquele momento. Se nós deixarmos a inflação caminhar nessa linha em que vem vindo, esperando que ela caia no mês que vem, podemos pôr muito a perder.

DINHEIRO – O remédio é apertar a política monetária, como das outras vezes?
GARNERO – Há uma maneira de resolver essa questão dos juros altos. O próprio (Guido) Mantega (ministro da Fazenda) já chegou a anunciar uma política de déficit nominal zero, mas nunca a levamos adiante. No dia em que isso for adotado no Brasil, teremos inflação na meta e os juros vão despencar imediatamente. É o único caminho.

DINHEIRO – Não é um caminho muito difícil?
GARNERO – Não é astronômico nem difícil. Com a geração de novos negócios e empregos, todo mundo está arrecadando mais. Até mesmo o INSS está reduzindo seu déficit. Falta é vontade política. Também não precisa ser de hoje para amanhã. Pode levar quatro anos. Desde que haja uma intenção clara e real, as consequências serão imediatas.

DINHEIRO – O que significou a visita do presidente Barack Obama ao Brasil? A reaproximação dos dois países vai realmente se concretizar no ambiente de negócios?
GARNERO – Foi importante sob o ponto de vista de desarmamento de espíritos. Quem vem aqui tem uma outra visão. Outro ponto fundamental foi o entendimento de Obama com Dilma. Ambos têm estilos muito pragmáticos, sem pressa e sem jogo de cena. Há ainda o fato de o chanceler (Antonio) Patriota ser casado com uma americana e entender melhor como funciona a cabeça deles. E o Itamaraty, apesar da tendência terceiro-mundista, tem de ver os Estados Unidos como sócios importantes.

DINHEIRO – A relação entre os dois países não ficou reduzida demais para a importância de ambos?
GARNERO – Sem dúvida. Não no plano financeiro, já que as empresas americanas ainda são grandes investidoras aqui. Não há um antagonismo latente. As disputas comerciais são normais e isso Obama colocou muito bem. Também não existe nenhuma questão ideológica. Quando você vê o Mujica (presidente do Uruguai, líder da esquerda) afirmar que os Estados Unidos devem ser seus sócios preferenciais, é sinal de que o pragmatismo deve prevalecer. Os Estados Unidos continuarão sendo a maior potência por um bom tempo. A China pode até passar em produto bruto dentro de alguns anos, mas, quando se fala em renda per capita, poderio tecnológico, recursos humanos, vai demorar 100 anos para superá-los. Se temos de ser agressivos com um mercado, este mercado é o americano.

DINHEIRO – Quais seriam as primeiras ações a serem tomadas nesse sentido?
GARNERO – Coisas cotidianas. A emissão de vistos afasta metade do pessoal que poderia vir ao Brasil. Programei de trazer um investidor americano para uma audiência com o ministro Edison Lobão (Minas e Energia). O encontro foi agendado, mas ele não conseguiu o visto. A embaixada brasileira em Washington tem apenas um adido comercial. Quantos a China tem?

DINHEIRO – Os Estados Unidos não relegaram um pouco a região e, particularmente, o Brasil, a um segundo plano?
GARNERO – Sim, mas estão retomando o diálogo. Estão percebendo que algumas escolhas que fizeram anos atrás estão sendo frustrantes. Mesmo na Ásia, que está sendo ocupada pelo poderio chinês. Isso está levando os americanos a ver um horizonte Norte-Sul em seu próprio continente, que é autossuficiente em tudo. Quer trigo? Tem. Quer petróleo? Tem. Nós seremos os maiores fornecedores de petróleo para os Estados Unidos. Mas não é só isso. Podemos ter com eles uma série de operações aproveitando o dólar baixo. As empresas brasileiras têm de ir aos Estados Unidos comprar outras empresas. É preciso haver uma ação do setor privado que não se resuma a exportar, mas ocupar e influir.

DINHEIRO – Está mais fácil fazer negócios lá?
GARNERO – Se você tenta comprar uma empresa na França, na Itália, na Alemanha, vai ver o que os sindicatos vão dizer. O problema não é a concorrência, mas os problemas políticos, os próprios governos. Os EUA são mais abertos.

DINHEIRO – O Mercosul ajuda ou atrapalha nossas relações com os EUA?
GARNERO – Desde a criação do bloco, o Brasil não fez praticamente nenhum acordo internacional, com exceção de um ou outro na área automotiva, como o do México. Já o próprio México fez o Nafta, com os EUA, e outros 35 acordos. Ou seja, perdemos espaço.

DINHEIRO – Por que isso acontece?
GARNERO – Porque no âmbito do Mercosul estabeleceu-se como norma que só é possível fazer acordos envolvendo todo o bloco. Enquanto isso, o Chile faz diversos acordos, o Peru está fazendo a integração com os outros países andinos, numa ressurreição do Pacto Andino. Nós não conseguimos fazer nada porque estamos amarrados. É o momento de o Brasil decidir. Vamos dar uma ênfase ao Mercosul? Vamos. Institucionalizar o bloco? Vamos, porque até agora foi mais conversa jogada fora. Mas vamos também pedir uma concessão para que nós possamos fazer acordos de comércio com outros países.

DINHEIRO – A presidente Dilma deve alterar a postura diplomática em relação à assumida pelo presidente Lula?
GARNERO – Já existe uma doutrina Dilma, diferente da de Lula. E está muito certa. Ela tem no Patriota um grande executor dessa visão mais pragmática. Os dois juntos podem levar o Brasil a uma posição mais influente em organizações internacionais.

DINHEIRO – Isso inclui a sonhada cadeira no Conselho de Segurança da ONU?
GARNERO – O governo anterior atrapalhou muito esse projeto. Hoje há uma resistência grande que a Dilma terá de vencer.

DINHEIRO – Tanto Obama quanto os chineses fizeram acenos ao Brasil nesse sentido.
GARNERO – Os chineses falaram sobre esse tema da mesma forma com que falamos sobre o desejo deles de serem reconhecidos como economia de mercado. Acabou sendo uma coisa só da boca para fora, mas não totalmente ratificada em documentos. Os chineses cobraram isso agora da Dilma, na visita dela ao seu país. Também não é fácil se relacionar com os chineses. Eles compram no presente e vendem no futuro. Eles dizem “eu quero isso hoje e no futuro vou fazer aquilo”. E aí fazem só o que interessa para eles.

DINHEIRO – Do ponto de vista econômico, esse esforço da diplomacia brasileira vale a pena?
GARNERO – Alguém acredita que os cinco países que têm o poder de veto vão abrir novas vagas indiscriminadamente? Qual vantagem teriam? Para os Brics, é bom. Mas a China já está lá. Que interesse ela teria de abrir para o Japão ou para a Índia? Por que a França concordaria com a entrada da Alemanha? Eles podem prometer o que quiserem porque sabem que não vai haver mudanças. A luta pelo conselho é desperdício de esforço, de foco e de prestígio.

DINHEIRO – Qual deve ser o foco da nossa diplomacia?
GARNERO – A ocupação política dos espaços vagos nas organizações internacionais. Nós temos perdido espaço. Não conseguimos sequer fazer o secretário-geral da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação). Quando vamos ao edifício da ONU, em Nova York, não encontramos brasileiros em um nível hierárquico mais alto.

DINHEIRO – O que o presidente JK faria em relação a problemas como esses?
GARNERO – A mentalidade de Juscelino resume-se ao seguinte: dá para sacudir o País ou não dá? Dizem que ele foi o pai da inflação, mas, quando saiu do governo, ela estava a 27% ao ano. Um ano depois, com o Jânio, chegou a 70%. Juscelino entendeu o momento histórico da virada e criou um estado de espírito positivo para o desenvolvimento.

DINHEIRO – Vários políticos tentaram colar sua imagem à de JK. Qual deles mereceria mais essa comparação?
GARNERO – Quem melhor compreendeu o modelo de Juscelino foi o Lula, mas quem criou as bases para ele fazer o que fez foram o Fernando Henrique e o Itamar. Por outro lado, vejo na Dilma uma clara percepção de como implantar um processo de desenvolvimento coordenado. Ela lembra mais o Juscelino por dar a impressão de que tem na cabeça o que deseja fazer.

DINHEIRO – Com JK, estaríamos preocupados com a realização da Copa?
GARNERO – Creio que não, assim como acredito que a Dilma tem a capacidade de buscar os meios e fazer as coisas acontecerem. Além disso, hoje temos quadros burocráticos pensantes e empresariais de nível mundial. E a classe política é muito mais preparada.

DINHEIRO – É possível, como fez JK, estabelecer metas para o governo Dilma?
GARNERO – A primeira é um PAC da exportação, do porto ao regime tributário. Recuperar alguns setores que se desenvolveram lá atrás, mas depois o governo militar deixou minguar, como a Marinha Mercante. Não é possível o País estar com uma condição tão degradante em estradas, aeroportos. Precisamos de uma reintegração para termos um país moderno. E, finalmente, estabelecer pelo menos 15 acordos comerciais internacionais com os países mais importantes do mundo.

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