FABRICANTES PERDEM COMPETITIVIDADE NO PAÍS, REVELA ESTUDO
Autor(es): Marli Olmos | De São Paulo
Valor Econômico - 09/05/2011
Um carro na França custa menos do que no Brasil e mandar um ônibus produzido na Suécia para mercados vizinhos, como o Chile, é mais barato do que exportar a partir do Brasil. Incompreensível à primeira vista, a situação começa a se tornar cada vez mais habitual na indústria automobilística.
O preço do modelo Logan no Brasil é o mais alto do mundo. Custa mais do que os produzidos na Argentina, Colômbia, Chile, França e Rússia. Em relação à Romênia, onde o carro da Renault foi concebido, a diferença passa de 80%. Os brasileiros pagam R$ 37,2 mil quando adicionados os equipamentos da versão europeia. O preço na Romênia, o mais baixo do mundo, equivale a R$ 20,5 mil.
Há poucos meses, a filial brasileira da Volvo anunciou uma venda de ônibus para o Panamá, o maior contrato já feito pela empresa. A equipe do Brasil fechou o negócio, mas a fábrica de Curitiba (PR) praticamente não vai trabalhar nele. Dos 1,2 mil veículos envolvidos, somente 85 seguirão do Brasil. O restante vai ser produzido em Boras, cidade no Oeste da Suécia. A direção da Volvo não fornece detalhes. Mas, segundo fontes do setor, o custo da exportação a partir da Suécia é cerca de 10% mais baixo.
As fábricas brasileiras de veículos vêm perdendo competitividade há algum tempo. Mas nos últimos meses o quadro se agravou. É difícil explicar por que o produto fabricado a 10 mil quilômetros pode chegar ao país custando menos. Quando chegou ao Brasil, há dois anos, o presidente da Renault Mercosul, Jean-Michel Jalinier se surpreendeu. Ele acabara de deixar o comando da operação da marca na Rússia, onde o Logan custa o equivalente a R$ 23,6 mil.
O real valorizado é um dos motivos da vantagem europeia. Mas outros custos também pesam. Segundo Jalinier, dos mais de 80% de diferença entre preço do Logan no Brasil e na Romênia, cerca de 40% envolvem custos de fabricação, como mão de obra e matéria-prima. Outro tanto, diz, refere-se à logística. E a carga tributária também interfere. Na França, o Logan é vendido pelo equivalente a cerca de R$ 25 mil, uma diferença de 47% em relação ao carro produzido e vendido no Brasil. Na França, os impostos em automóveis somam 20%. No Brasil, chegam a 33% nesse tipo de carro.
Essa situação tem levado um aumento na importação de automóveis e de peças. Levantamento da Anfavea, que representa as montadoras, mostra que foram licenciados 164 mil automóveis importados no primeiro trimestre deste ano, uma fração ainda pequena no conjunto total de carros do país, mas que indica um aumento importante - de 34%.
No ano passado, os fabricantes de veículos decidiram preparar um estudo sobre a desvantagem brasileira na competitividade mundial. A ideia inicial era apresentar o trabalho, elaborado com a ajuda de consultores, com propostas, pouco depois da posse da presidente Dilma Roussef. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) promete revelar o estudo nas próximas semanas.
Exemplos de como o Brasil leva desvantagem servirão para ilustrar as conversas que o setor pretende ter com o governo. Nas discussões, surgirão também as ameaças da própria indústria de diminuir as compras no mercado interno, aproveitando preços mais baixos em outros países.
A Renault já importa aço da Coreia do Sul, segundo o presidente Jean-Michel Jalinier. E mais: pretende diminuir o volume de peças nacionais. Um exemplo é o Sandero, automóvel cuja nova versão será apresentada à imprensa hoje, em Florianópolis (SC). O índice de nacionalização nesse carro já é de 87%. "Mas para os futuros veículos estamos trabalhando com médias entre 65% e 70% porque vemos oportunidades der trazer peças mais baratas de outros países", disse Jalinier semanas antes do lançamento.
"Enquanto vemos chineses fazendo planos para aumentar a competitividade, aqui não se avança nada", disse o executivo. Para ele, "problemas estruturais fortes", relacionados a estradas e portos agravam ainda mais o quadro.
A Renault consegue comparar preços de custo dos automóveis com mais facilidade porque produz o Logan, um dos raros casos de um carro fabricado com características idênticas em países de continentes diferentes. O mercado europeu, por exemplo, recebe carros da fábrica da Romênia. Na América Latina, os mercados são abastecidos pela linha de São José dos Pinhais (PR). Nem em relação aos vizinhos o brasileiro consegue levar vantagem. No Brasil, o carro custa 55% mais do que na Argentina.
Mas a Renault não é a única. Sem dar detalhes, a Nissan confirma que está vendendo na Argentina a picape Frontier produzida na Tailândia, apesar de o mesmo veículo também ser produzido no Brasil, há anos.
No caso da exportação dos ônibus da Volvo para o transporte urbano na Cidade do Panamá, em que a fábrica brasileira perdeu competitividade para a própria matriz, na Suécia, a desvantagem não se limita ao chassi, a parte que vem da Europa.
Segundo informações do setor, depois de fazer pesquisa de preços, os clientes panamenhos optaram por comprar a carroceria na colombiana da Superpolo, uma joint venture entre a brasileira Marcopolo e o Grupo Fanalca.
Trata-se de uma operação peculiar: o contrato de exportação para o Panamá é fechado pela filial brasileira da Volvo. Mas os veículos são produzidos na Suécia e recebem carroceria na Colômbia. Ônibus suecos também começaram a ser vendidos no Chile. Passam pelo Brasil para receber a carroceria em Caxias do Sul (RS).
Esse tipo de operação é ainda mais favorecido pela estagnação do mercado europeu, o que torna a capacidade das fábricas naquele continente disponíveis para contratos de exportação para mercados mais distantes.
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